Crítica


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Sinopse

Donana, parteira com mais de meio século de ofício, representa a resistência da tradição e humanização ao parto na região de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Dona de uma personalidade forte, compartilha sua sabedoria, adquirida ao longo de anos como mãe, mãe de santo, madrinha e mulher. Assim como a chanana, flor que brota em meio ao concreto e é subestimada por sua frágil aparência, Donana nos ensina a permanecer firmes apesar das adversidades da vida.

Crítica

Donana, parteira idosa e experiente, confessa que sua única tristeza nessa fase da vida é não mais poder dar à luz. Fascinada pelos nascimentos, ela sempre sonhou em ter o máximo de filhos, embora nunca tenha desejado se ligar a um homem em toda a sua vida. Muito religiosa, acredita que as uniões devem ser para sempre, em oposição ao aumento contemporâneo de divórcios. Mesmo assim, demonstra-se aberta às diversas sexualidades, respeitando os casais homoafetivos da mesma maneira que respeitaria um casal heterossexual. Enquanto se recusa a sair do vilarejo onde mora, onde construiu sua identidade, critica o pensamento estreito demais dos moradores locais. Cercada por pessoas cristãs, venera seus orixás.

A protagonista de A Parteira se revela uma figura fascinante por combinar tradição e modernidade, ou seja, o Brasil “profundo” (leia-se: interiorano, conservador, rural) a um respeito das naturezas terrena e humana muito mais alinhados às demandas políticas atuais. Como parteira, não realizou o parto das próprias filhas, mesmo cercada por vizinhos intrometidos, revela com orgulho suas múltiplas experiências envolvendo homens com os quais não teve relacionamentos duradouros. Em tempos de polaridade política, religiosa e ideológica, esta mulher representa uma improvável intersecção entre raízes de pensamento tão distintas, condensadas na figura de uma mulher forte e serena, muito bem retratada pela diretora Catarina Doolan.

No que diz respeito à estética documental, a cineasta efetua escolhas bastante incomuns para jovens diretores: ela se coloca em cena, incluindo suas perguntas, revelando membros da equipe conversando com Donana ao redor de uma mesa, observando-a, rindo com ela. Some então a aparência do olhar distanciado, objetivista, para abraçar uma proximidade próxima da amizade e cumplicidade entre mulheres. Por mais benéfico que seja o despojamento para a naturalidade do resultado, isso não impede que, rumo ao final, a protagonista responda a perguntas retóricas, e mais próximas do teor da autoajuda: “De onde você tira essa força?”, “O que é ser mulher para você?”. A resposta vem, forte e pronta: “A mulher foi feita para amar”.

A conclusão, portanto, aproxima-se de uma sororidade que beira os preceitos do sagrado feminino, da comunhão entre mulheres ao redor da premissa de uma força inerente e essencial. Este teor, junto de algumas músicas doces e close-ups em flores, atenua o caráter sociológico do princípio em direção de algo muito mais psicológico. Ao mesmo tempo, algumas questões técnicas se contrastam: a captação de som competente durante as falas de Donana se chocam com os ruídos estourados na cozinha, ou com as sombras da equipe projetadas em superfícies refletoras em momentos sem vocação a discutir a metalinguagem. Existe mais de um filme dentro de A Parteira e, no que diz respeito à primeira parte, em especial, atinge-se um resultado bastante competente.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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