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Crítica


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Sinopse

John Callahan é um homem conturbado que, bêbado, bate de carro e sofre um grave acidente. Tetraplégico, ele transforma sua vida, tornando-se um dos cartunistas mais improváveis, ácidos e perseverantes do mundo, usando as limitações físicas para desenvolver uma carreira artística com a ajuda de sua namorada e de um simpático padrinho.

Crítica

Se há um artista desta geração que dificilmente decepciona é Joaquin Phoenix. Chamado de maluco muitas vezes por colegas e diretores, devido à sua imersão nos personagens que interpreta, o ator tem uma filmografia, no mínimo, respeitável. Seja com o solitário apaixonado por uma voz em Ela (2013), o seguidor fiel de O Mestre (2012), o imperador maligno de Gladiador (2001) ou com o real Johnny Cash de Johnny & June (2005), Phoenix tem uma coleção de interpretações densas de personas multifacetadas, tanto em projetos independentes quanto em blockbusters. Não à toa foi escolhido como o próximo Coringa do Universo DC. E aqui, em A Pé Ele Não Vai Longe, o ator mostra, mais uma vez, sua poderosa presença de cena. Agora, sob a direção de um cineasta nada ortodoxo como Gus Van Sant.

Neste filme ele é John Callahan, homem que se torna cartunista após ficar tetraplégico em decorrência de um acidente em certo dia de bebedeira. Frequentador dos Alcoólatras Anônimos, Callahan consegue desenhar com as duas mãos após recuperar o uso parcial da parte superior do próprio corpo. E suas charges e tiras não são de qualquer tema. Ele trata, especialmente, de deficiências e doenças. Isso com muito humor negro, o que atiça a comunidade conservadora, ao mesmo tempo em que ganha o respeito e a admiração de outros que lidam com problemas parecidos.

Essa figura fascinante e tão complexa ganha corpo no filme. Van Sant parece que não sabe lidar com uma cinebiografia tão quadradinha ou levemente fora do convencional, como já havia realizado com o excelente Milk: A Voz da Igualdade (2008). Desta vez, o cineasta opta por uma narrativa fragmentada, que mistura flashbacks de Callahan com seu tratamento de 12 passos para a sobriedade. Talvez, justamente por tentar fugir ao óbvio, mas ainda dentro de um molde, o diretor acaba criando certo distanciamento do retratado, quase o prejudicando. Por outro lado, o filme assume uma postura um tanto neutra quanto a defender ou a "acusar" o cartunista. De gênio a frustrado, de grosseiro a encantador, Callahan é tudo e mais um pouco. O realizador deixa a cargo do público a decisão do que pensar sobre essa figura.

Phoenix transforma uma figura excêntrica num ser humano como qualquer outro. Seu Callahan é um mix de humor, contravenção e tristeza, que rebate seus sentimentos para todos ao redor. Em mais uma grande performance, o ator foge ao banal, não limitando sua interpretação às questões físicas do cartunista (pontuadas de forma segura, diga-se). Do bêbado inconsequente ao paraplégico afogado em autopiedade, passando pelo homem que se recupera passo a passo de sua condição e do alcoolismo, Phoenix transita naturalmente. E seus colegas de cena ajudam, como o inesperado Jonah Hill cada vez mais sério e compenetrado (desta vez, como o padrinho do AA) e Rooney Mara longe do olhar de garota à parte da sociedade, mas como alguém sexy e confiante o suficiente para reascender a chama do protagonista.

Uma das coisas mais fascinantes do filme é que Callahan pode estar paralisado numa cama ou sempre numa cadeira de rodas, mas nunca devidamente parado, estático. Pelo contrário. O cartunista é uma força da natureza que parece irrefreável, em constante movimento, em casa, na rua ou no parque, faça chuva ou sol, noite e dia. Talvez isso torne o título do filme mais irônico, seja no original ou na tradução, pois é impossível não admirar a força de vontade que o cartunista tem para continuar seguindo em frente. A Pé Ele Não Vai Longe pode até tentar ao máximo fugir ao piegas, mas não deixa de ser um belo filme sobre o quanto se está disposto a viver de verdade. Seja preso a uma cadeira de rodas, mas com a mente em constante atividade e vigor. Bom, não à toa que num dos estágios mais avançados da tetraplegia, Callahan faz uma enfermeira gozar apenas com os lábios. Se imóvel um homem consegue fazer sexo, o que mais pode segurá-lo?

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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