Crítica

A praça Tahrir é um dos pontos centrais da capital do Egito, Cairo. Localizada de forma a permitir o acesso de todos os pontos da cidade ao seu centro político e administrativo, fica em frente ao palácio do governo nacional. É também conhecida como Praça da Libertação, e foi nela onde se deu os primeiros atos da Revolução Egípcia de 1952, quando o país deixou de ser uma monarquia constitucional para se tornar uma república. Se esse passado de turbulências e protestos parecia ter ficado para trás, é com a situação oposta que somos confrontados em A Praça Tahrir (The Square, no original), um dos cinco documentário indicados ao Oscar 2014 nesta categoria e uma obra dona de uma relevância que vai além de parâmetros e definições artísticas.

No início de 2011, dezenas de milhares de protestantes se reuniram na praça Tahrir para exigirem a renúncia do presidente Hosni Mubarak. Estima-se que 250 mil manifestantes estiveram no local no dia 31 de janeiro, enquanto que a rede de TV Al Jazeera divulgou que 2 milhões de pessoas foram às ruas no dia primeiro de fevereiro. Como resultado, apenas dez dias depois destes atos públicos Mubarak deixou seu cargo, após 30 anos de poder. Para o resto do mundo, que presenciou tais acontecimentos a uma distância segura, tudo pareceu ter corrido de forma organizada e segura. Pois A Praça Tahrir se encarrega de mostrar a verdade por trás dessa crença que, por sinal, não poderia estar mais longe da verdade, com consequências e desdobramentos que perduram até os dias de hoje.

O grande mérito do trabalho da diretora Jehane Noujaim (já premiada com o Directors Guild Award por este trabalho) foi ter aproveitado o momentum, ou seja, ter se dado conta do que acontecia, enquanto acontecia, e já ter partido para a ação, sem muitos poréns. Assim, no exato dia em que a revolução se iniciava, ela estava lá, com as câmeras ligadas, registrando tudo. O que seria feito daquilo nem ela sabia, mas este é um dos principais indícios de um bom documentarista: primeiro faz, depois pergunta. Assim ela foi, colhendo e armazenando material, entrevistando pessoas, observando os fatos. Com a análise do que se ia conseguindo, aos poucos foi-se determinando o rumo do trabalho. E com a seleção das pessoas certas a serem seguidas o filme foi tomando forma. A sensação para quem o assiste hoje é a mesma de se estar em plena praça Tahrir, no auge dos acontecimentos. Fazendo, literalmente, parte da História.

Dois nomes são fundamentais para facilitar a identificação do espectador com o desenrolar dos fatos de A Praça Tahrir: Khalid Abdalla e Ahmed Hassan. O primeiro é um astro hollywoodiano, estrela de filmes como O Caçador de Pipas (2007) e Zona Verde (2010), nascido em Glasgow, Escócia, mas de família egípcia. O segundo é um jovem egípcio, cansado dos sofrimentos diários, da injustiça social e da insegurança que tomava as ruas de sua cidade. Se um nos oferece uma percepção internacional, através de seus contatos com a família no exterior, entrevistas para a CNN e posições conscientes sobre os rumos do movimento, o outro é responsável pela emoção da juventude, pela vontade de mudança e pelo ímpeto por um mundo melhor. Eles não são os únicos a se abrirem com Noujaim, mas são os responsáveis pelas declarações mais fortes, funcionando como meio da intensidade necessária para fazer dessa obra imprescindível.

A Praça Tahrir é um dos mais fortes candidatos ao Oscar deste ano. Além de concorrer ao prêmio máximo do cinema mundial, está indicado também ao Independent Spirit Award e ao Satellite, além de ter sido premiado como Melhor Filme do ano na Associação Internacional de Documentaristas, ter sido eleito um dos cinco melhores títulos do gênero em 2013 no National Board of Review e premiado nos festivais de Sundance, Toronto, Hamptons e Dubai. Trata-se de um trabalho, no entanto, que os brasileiros não terão a chance de assistir nos cinemas – feito em parceria com o sistema de televisão online Netflix, já se encontra disponível na internet para qualquer assinante. Uma vantagem pelo acesso e reflexo imediato das novas tecnologias, que permitem que algo tão instantâneo e necessário seja feito com qualidade superlativa e, acima de tudo, compartilhado com o mundo.

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