Crítica
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Sinopse
Marina e Juvenal estão passeando. Eles resolvem tirar fotos diante da casa de uma idosa. Irritada com a proximidade dos jovens amantes, a mulher se revela uma bruxa poderosa. E ela lança uma maldição sobre Marina e Juvenal.
Crítica
O lançamento comercial de A Praga é algo que merece ser festejado efusivamente. Afinal de contas, trata-se de uma produção assinada por José Mojica Marins, criador do inconfundível Zé do Caixão, até então inédita ou, melhor dizendo, que o próprio autor acreditava ter sido perdida. Num país em que infelizmente a memória se encontra muitas vezes tratada a pontapés, como algo supérfluo, é louvável o esforço de uma nova geração de admiradores de Mojica que fez das tripas coração para a produção finalmente ganhar as telonas. Aliás, a projeção do média-metragem está sendo precedida nas salas de cinema de um curta-metragem chamado A Última Praga de Mojica (2023), que detalha esse processo de arqueologia, restauro e reimaginação de uma obra que parecia fadada à suposição do que poderia ter sido. Esse prólogo esclarece o percurso: o filme originalmente foi rodado em 1980, a partir de uma HQ assinada por Rubens Francisco Luchetti, por sua vez, inspirada num programa de TV dirigido por Mojica que se perdeu num incêndio da emissora paulista Bandeirantes. O material foi tratado, remontado, houve filmagens adicionais e a dublagem que contou com o auxílio de uma especialista em leitura labial – uma vez que não existia roteiro ou mesmo qualquer documentação da produção. Desse modo, o curta faz sentido como um abre-alas para compreendermos como o média pode ser resgatado.
Estritamente como filme, A Praga está distante dos momentos mais inspirados da carreira de José Mojica Marins, principalmente os da trilogia protagonizada por Josefel Zanatas ou, simplesmente, Zé do Caixão, o coveiro misógino e obcecado por encontrar a “mulher perfeita” com quem gerará um filho que o fará vencer a morte. Aliás, Zé do Caixão serve como narrador de corpo presente dessa história, nos ajudando a completar determinadas lacunas e guiando o espectador ao martírio de um sujeito vitimado pela praga de uma bruxa. Juvenal (Felipe Von Rhime, dublado por Eucir de Souza) e sua esposa, Marina (Silvia Gless, dublada por Débora Muniz), estão de passagem por uma região remota quando se deparam com uma bruxa (Wanda Cosmo, dublada por Luah Guimarês). Diante da insistência do rapaz de tirar fotos e zombar de sua condição decrépita, a senhora de costas curvadas lhe roga uma praga que impõe fome de carne fresca e uma gradativa deterioração do corpo da vítima. Juvenal passa a ter pesadelos diariamente, com isso não conseguindo dormir, demonstrando irritabilidade no trabalho e, aos poucos, entrando num processo semelhante ao da loucura. Se equivalente à estrutura literária, A Praga está mais para o conto do que para o romance, não apenas pela curta duração, mas pela forma objetiva como o andamento da trama é construído. Tudo é bastante ligeiro e direto.
O filme carrega alguns aspectos peculiares da obra de José Mojica Marins, sendo os principais deles a tentativa de construir um terror genuinamente brasileiro e a utilização do erótico em meio às situações terríveis. A regionalidade está visível na busca por socorro nas religiões de matriz africana e na observação (ainda que breve) do subúrbio empobrecido onde a bruxa mora. Por mais que o cineasta torne um tanto exótica a circunstância no terreiro, é interessante que Juvenal tenha procurado socorro para se livrar da praga num ambiente enxergado por tantos com o preconceito que concerne aos ignorantes e obscurantistas. E, mais interessante ainda é perceber que antes de o protagonista recorrer à religião ele tenta a ajuda psiquiátrica. Ainda que José Mojica Marins não invista nessa ordem de prioridades para definir Juvenal como um racionalista que recorre ao sobrenatural apenas depois que a ciência não consegue lhe ajudar, podemos fazer essa relação e tirar dela alguma coisa sobre o personagem. A linguagem de A Praga expressa a precariedade dos meios de produção que Mojica tinha à disposição então como autor duramente perseguido pela Ditadura Civil-militar e financeiramente fragilizado por filmes censurados que não puderam recuperar o seu investimento. Mas, diferentemente de outras vezes em que conseguiu utilizar a deficiência ao seu favor, aqui a debilidade é um ruído.
A Praga é um filme marcado pela penúria, carregando em seus fotogramas as marcas do descaso de um país com o seu legado cultural. O aspecto formal mais interessante resultante do processo de resgate é a preservação de certas manchas de deterioração na película original para conferir um aspecto tétrico aos pesadelos de Juvenal. Quanto ao desenrolar da trama propriamente dito, ela ocorre num crescendo moderado de tensão e angústia, desenvolvimento prejudicado pela interpretação do casal protagonista. Felipe Von Rhime ainda tenta imprimir alguma gravidade, sobretudo à medida que a praga da bruxa se concretiza e seu personagem é tomado por desejos de ingerir carne fresca e crua. Mas, Silvia Gless parece desconectada da proposta, em certos instantes sendo incapaz de transmitir o terror de ser a companheira de um sujeito que definha aos poucos com uma ferida horrenda na barriga. O filme tem algumas transições abruptas, como quando José Mojica Marins pula de uma cena tensa para outra de conteúdo gratuitamente erótico. Nunca saberemos se essas mudanças bruscas de direção foram fruto de um desejo consciente de romper inesperadamente um fluxo narrativo ou se resquício da arqueologia possível que não encontrou peças faltantes. De toda forma, a existência desse média-metragem resultante dos enormes esforços da geração que cresceu amando Mojica deve ser comemorada.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
Celso Sabadin | 8 |
Ailton Monteiro | 8 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 7 |
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