Crítica

Até que ponto somos, ou não, consequência direta das atitudes dos nossos pais? Essa é a principal questão por trás do drama familiar tão bem explorado em A Primeira Coisa Bela, um grande sucesso de bilheteria – foi o filme nacional mais visto na Itália em 2010 – que finalmente chega até nós, referenciado pelo público e pela crítica. A trama começa no presente, mas o cerne da sua ação está no passado, e será através de uma série de flashbacks que ficaremos a par das idas e vindas da família Michelucci, desde o marco inicial dessa história – quando a mãe, a jovem Anna, é eleita A Mais Bela Mamma numa festa local – até os momentos derradeiros de sua existência, mais de 30 anos depois. Filhos, irmãos, pais, tios, marido, esposa,vizinhos e amigos, todos estarão enredados numa trama em que nada fica apenas na superfície e será apenas com o desenrolar dos fatos que as verdades finalmente virão à tona, revelando que nem sempre o primeiro julgamento será o mais apropriado.

Bruno (Valerio Mastandrea) é um professor de meia idade, sem filhos, que vive com a namorada e longe da família. Prefere passar seu aniversário no parque, fumando maconha, do que entre os colegas ou com quem ama. Eternamente deprimido, tenta fugir da irmã, que vai procurá-lo no trabalho, evitando retomar esses laços familiares. Mas ela não desiste, pois está ali para avisá-lo que a mãe (Stefania Sandrelli, de O Último Beijo, 2001) está muito mal, prestes a morrer de câncer, e ele deve ir visitá-la. Apesar de uma resistência inicial, aceita o chamado e vai até ela. E com isso lhe voltará experiências antigas que desejava manter enterradas. Sempre muito bela, a mãe (na juventude, interpretada pela deslumbrante Micaela Ramazzotti) foi expulsa de casa após ser premiada, quando os filhos ainda eram pequenos, por ciúmes do marido. E entre namorados que poderiam lhe oferecer qualquer tipo de vantagem financeira e dificuldades em trabalhos de poucas perspectivas, a única constante era seu desejo de nunca desistir de suas duas crianças.

A Primeira Coisa Bela é um título que pode ser traiçoeiro, pois aponta para uma felicidade – a conquista do lugar de maior destaque – mas também para uma decepção – afinal, após o topo o que resta a seguir é a decadência. Começamos com o sorriso da vitória, ao ser apontada como uma mulher linda e invejada, mas isso, ao invés de lhe proporcionar satisfação e alegria, só lhe trará tristezas e percalços. O concurso é um exemplo de sua trajetória de vida, que enfrentará dificuldades enormes – desprezo profissional, concorrência da irmã, incompreensão do esposo – que acabarão, de uma forma ou de outra, sendo refletidas nos filhos. A menina virou uma mulher que é casada com um homem pelo qual não está apaixonada. E o menino se tornou um homem seco e infeliz, que precisa urgentemente se encontrar. E a busca de cada um destes personagens por si mesmos não será desprovida de emoções fortes e comoventes, bem típico do cinema latino.

Escolhido como o representante italiano na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A Primeira Coisa Bela foi premiado nos festivais de Sannio e Salerno (Itália) e Montpellier (França), além de ter recebido incríveis 18 indicações ao David di Donatello, o Oscar da Itália, inclusive para Melhor Filme e Direção, tendo sido premiado como Melhor Atriz (Ramazzotti), Ator (Mastandrea) e Roteiro. Reconhecimentos mais do que justificados por um trabalho que conquista pelo coração, falando dos sacrifícios que os pais fazem por seus filhos e sobre o quão difícil pode ser para esses entender o comportamento daqueles que os trouxeram ao mundo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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