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Sinopse

Enviada à Itália a fim de começar uma vida devotada à Igreja, uma jovem norte-americana acaba desvendando uma conspiração do mal.

Crítica

E pensar que teve quem achasse que a maior vergonha da família Braga tocando o terror em um convento italiano fosse a passagem da sobrinha Alice por O Ritual (2011)! Pois eis que agora a tia Sonia surge com toda a pompa e circunstância como a Madre Superiora – um papel feito sob medida para Charlotte Rampling, como Benedetta (2021) e Duna (2021) atestam – neste A Primeira Profecia, mais uma atrocidade cometida contra um clássico de quase cinco décadas atrás. Se O Exorcista: O Devoto (2023) ousou servir de sequência – manchando um legado já bastante maltratado – para a obra icônica de William Friedkin, desta vez a lógica é oposta, se apresentando como uma prequela (ou seja, explorando acontecimentos que teriam se passado antes dos já conhecidos) de A Profecia (1976), um dos títulos mais instigantes da carreira de Richard Donner e que ganharia, nos anos seguintes, não apenas três continuações no cinema e uma série na televisão, como também uma refilmagem (A Profecia, 2006). E se nem os mortos eles são capazes de deixar em paz, a forçada conexão de um com outro surge quase aos 45 do segundo tempo, por meio de uma fotinho esmaecida de Gregory Peck (protagonista do filme original). No mais, o que se verifica é uma perda de tempo descomunal.

O longa assinado pela diretora e roteirista Arkasha Stevenson (da série Vingança Sabor Cereja, 2021, em sua estreia na tela grande) não apenas se isenta de agregar qualquer elemento relevante a uma mitologia há muito espichada, cujo argumento pode ser descrito em uma linha – o surgimento de uma ameaça que ganha forma por meio de membros da própria Igreja Católica deverá servir para resgatar a fé perdida de muitos dos seus fiéis – como também demostra uma clara falta de respeito com o pouco que fora proposto pelos títulos anteriores. Damien assustava não apenas pelo seu poder de sugestão – eis aqui um herdeiro legítimo de O Bebê de Rosemary (1968) – mas pela força de suas imagens e conflitos, sempre no limite entre a trágica coincidência e o horror macabro. Dessa vez, porém, opta-se por jump scares banais, proporcionados por cortes de câmera e alterações gritantes na trilha sonora, anunciados há quilômetros de distância. Até mesmo o grande mistério – quem será a mãe do menino amaldiçoado – possui uma resolução tão óbvia que é de se perguntar como alguém na sala de roteiro (de autoria da realizadora em parceria com Tim Smith e Keith Thomas, ambos com pouca experiência na função) foi capaz de propor e levar a sério essa ideia.

O constrangimento dos brasileiros, no entanto, não deve ser agravado como se único e isolado. Afinal, nossa diva indicada ao Bafta por Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e ao Emmy por Amazônia em Chamas (1994) está longe de aparecer sozinha. Ao seu lado estão Bill Nighy, mostrando que sua indicação ao Oscar por Viver (2022) não deve ter lhe resultado em melhores ofertas de trabalho, Ralph Ineson (repetindo a mesma voz grave que impressionava em A Bruxa, 2015, mas que aqui causa apenas estranhamento) e Charles Dance (esse, ao menos, tem somente uma participação especial, ainda que sua saída de cena beire o risível). Essa turma de veteranos mais do que qualificados serve apenas para fazer coro à novata Nell Tiger Free, que despontou como a filha mais velha da ardilosa Cersei Lannister em Game of Thrones (2011-2019), mas que parece ter sido convocada para esse papel apenas para repetir a performance vista ao longo de quatro intermináveis temporadas de Servant (2019-2023). Eis que surge como a garota bem intencionada, porém dona de segredos que vão sendo revelados aos poucos, tendo ela consciência deles ou não. Um mistério, portanto, que não depende dela, e portanto vai perdendo força mesmo que contra a sua vontade.

Órfã criada no interior dos Estados Unidos, é levada à Roma para se reencontrar com o cardeal Lawrence (Nighy), que deverá ordená-la como irmã em Cristo. Uma vez lá, é recebida por Silva (Braga, que ao menos está esforçada em imprimir algum tipo de autoridade), que lhe dá as primeiras orientações a respeito de sua nova morada. O lugar funciona também como um orfanato, e todas as atenções se voltam para à jovem Carlita (a estreante Nicole Sorace), apresentada como alguém que não consegue se ajustar aos padrões de convivência locais. Não é surpresa as suspeitas se voltarem para ela, ainda mais quando um padre excomungado (Ineson) aparece alertando para o verdadeiro perigo: a existência de uma sociedade secreta infiltrada no seio do catolicismo que há séculos vem realizando experiências genéticas diabólicas, visando o surgimento de um alardeado anticristo, um mal tão grande – mas não fora de controle – que possa reconduzir aqueles que deixaram de acreditar na palavra do Senhor de volta à religião. O conceito não é inovador, mas o que causa espanto de verdade é a dimensão da aposta, elevando uma noção de paranoia coletiva que deve ressoar com alguma parcela do público, principalmente aquela que compra sem maiores questionamentos qualquer fake news recebida pelos grupos de Whatsapp e demais redes sociais.

Se a trama é descabida, a forma como a mesma é conduzida por Stevenson termina por enterrar qualquer maior pretensão de se salvar um ou outro ponto em particular. A Primeira Profecia não faz sentido nem no título (não se trata de uma ou outra subsequente, mas de diferentes etapas de uma mesma maldição), e menos ainda como obra independente, pois abusa das incongruências (quem não achar estranho a colega de quarto que leva a futura freira para uma balada que jogue a primeira pedra) e de composições visuais explícitas (a grávida dando à luz a uma garra de unhas gigantes, vista por meio de um close entre as pernas da moça, por pouco não é superada em termos de absurdo e mau gosto pelo flerte atropelado que permanece apenas com a parte de cima do tronco entre os braços da mocinha). Um bom mistério deve trabalhar com a percepção do espectador e ser capaz de embaralhar bem as pistas no decorrer de sua trama. Pois aqui não se verifica nem uma coisa, muito menos a outra. O desastre, portanto, percorre os acontecimentos do início ao fim, por meio de uma série de tropeços que começa no prólogo (o vitral despedaçado é, no mínimo, previsível) e segue até um desfecho que só se encaixa como elo após muita explicação e boa vontade da audiência. Se há alguma alma além de qualquer salvação, enfim, é a desse filme, que nasce condenado e assim se confirma até o último segundo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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