A Primeira Tentação de Cristo
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Rodrigo Van Der Put
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A Primeira Tentação de Cristo
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2019
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
A polêmica em torno de A Primeira Tentação de Cristo, novo especial de Natal do grupo humorístico Porta dos Fundos, não se deu tanto pela representação humanizada de figuras míticas do cristianismo. Para muitos fieis o “problema” residiu no fato de Jesus (Gregório Duvivier) ser delineado na tela como um homossexual tentado por Orlando/Lúcifer (Fábio Porchat) no tempo de meditação sobre a sua vocação, no deserto. Ele é tido como um jovem adulto sensível, cheio de dúvidas quanto a aceitar ou não a missão que seu pai, Deus (Antonio Tabet), lhe entrega de supetão no aniversário de 30 anos. Portanto, o Cristo não é um poço de sabedoria que ultrapassa com relativa facilidade as dúvidas concernentes ao destino traçado. E isso tem incomodado, fato que aponta mais ao preconceito vigente do que à iconoclastia do grupo. O média tem momentos impagáveis de afronta, mas acaba insuspeitamente cristão pelo modo como persegue a vitória do bem.
O traço mais engraçado de A Primeira Tentação de Cristo é a briga entre Deus e José (Rafael Portugal) pela paternidade de Jesus. É bem articulada essa picuinha que o marceneiro (sem talento e poderes especiais) alimenta contra alguém supostamente onipresente, onipotente e onisciente. A ignorância que alimenta o ciúme aparece bem na cena dele tentando entender em que momento do dia Maria (Evelyn Castro) falou com o Todo-Poderoso para convida-lo à festa surpresa. Aliás, a mãe fecundada pelo Espírito Santo também se destaca nesse panorama repleto de personagens bíblicos, alguns subaproveitados em virtude da correria imposta pelo roteiro. Ela chega a “rodar a baiana” diante das negativas do “peguete” de Cristo, apresentando uma faceta agressiva. Mas, no fim das contas, todos ali estão velando para que haja uma sucessão, ou seja, a fim de que o Messias abrace sua missão divina. Várias esquetes são costuradas a fim de gerar unidade.
Há algumas sacadas subaproveitadas em A Primeira Tentação de Cristo, quase todas relativas ao caráter violento de Deus. Antonio Tabet interpreta esse personagem entre a altivez, a sapiência e a brutalidade, dando ênfase especial à forma como a divindade abusa de suas capacidades inigualáveis para fazer “pegadinhas” com seus filhos. É um clássico tiozão sem noção. Quando ele precisa demonstrar força, por exemplo, extirpa um braço do agoniado José. E, adiante, no instante em que Cristo está pensando se deve ou não assumir a tarefa inglória, há menções ao Deus do Velho Testamento, cujos métodos – solicitar que pai mate filho, colocar Jonas numa baleia, etc... –, mas não um desenvolvimento de uma visão corrosiva do dogma. Os Três Reis Magos, por sua vez, são coadjuvantes que servem de meras “escadas”, pontuando jocosidades circunstancialmente com o intuito de aumentar a noção de humanidade que permeia os conhecidos personagens bíblicos.
A Primeira Tentação de Cristo utiliza a orientação sexual de Jesus tão e somente para aumentar o seu dilema capital. Talvez, embora isso não seja verbalizado, ele saiba que ao hipoteticamente assumir o peso de sua deidade não vai, sequer, ter como exercer sua recém-aceita sexualidade. Tanto que Gregório Duvivier, no momento da batalha com Orlando, engrossa a voz e minimiza os trejeitos afeminados do personagem. Para os cristãos mais empedernidos e preconceituosos, é abominável um Cristo gay, assim como o é qualquer representação do nazareno que não seja fenotipicamente eurocêntrica. O Porta dos Fundos morde de um lado, acenando à homossexualidade de Jesus e trazendo a bíblia para o cotidiano, mas assopra no outro, escolhendo, senão um ator apolíneo, um intérprete branco para viver o Messias. É um programa engraçado, com uma produção deliberadamente televisiva/teatral (vide cenários e figurinos), mais agridoce do que necessariamente ácido.
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