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Sinopse

Zoé é uma garota de dez anos que mora em uma favela. Sua vida muda completamente quando encontra um portal, no Rio de Janeiro, que a leva a um mundo mágico. Lá descobre ser a irmã desaparecida da rainha e a única ainda com poderes mágicos para enfrentar um grande desequilíbrio no Reino de Elymia, provocado pela sede de poder de Tempestança.

Crítica

É com certa ansiedade que se aguarda o lançamento de cada novo longa-metragem de animação brasileiro. O país ainda está longe de possuir uma indústria sólida neste segmento, apesar da qualidade de seus animadores. Mesmo assim, neste momento frutífero para a cinematografia nacional como um todo, foram lançadas obras do nível de O Menino e o Mundo (2013), Lino – Uma Aventura de Sete Vidas (2017) e mesmo Guaxuma e Outras Histórias (2018), projeto que reúne os magníficos curtas de Nara Normande. Trata-se de produções de estilos distintos, porém todas de alto nível, capazes de driblar os baixos orçamentos ao longo de uma persistente trajetória de produção.

Neste contexto, A Princesa de Elymia possui um escopo ainda mais ambicioso, por misturar a realidade brasileira – a vida de uma pré-adolescente nas favelas do Rio de Janeiro – com um mundo mágico repleto de monstros, reis e rainhas. Este é mais um projeto finalizado com poucas pessoas e poucos recursos, durante diversos anos. Ele busca trazer o sotaque nordestino às vozes – algo raro dentro da animação – além da mensagem válida contra a opressão, e em defesa das minorias. O paralelo entre a opressão sofrida nos morros cariocas e os perigos representados pelo Reino de Elymia funciona como leitura lúdica da desigualdade, adaptada às capacidades de compreensão do público infantil. Curiosamente, a favela que sofre com tiroteios e execuções diários constitui o “lugar seguro” escolhido pelos seres mágicos para esconder Zoé.

No entanto, salvos todos os esforços, seria equivocado da parte de um texto crítico minimizar as evidentes fragilidades do filme. A construção imagética desta animação é bastante fraca, desde a concepção e mobilidade dos personagens até a direção de fotografia e de arte. Os olhos vidrados dos personagens não conseguem expressar as fortes emoções sugeridas, enquanto a luz se mostra incapaz de imprimir volumes, texturas, e tornar os ambientes (tanto naturalistas quanto fantásticos) mais verossímeis. Os cortes bruscos da montagem, com longos fades, e os diálogos explicativos sobre este mundo de fantasia revelam o mecanismo por trás de uma história com dificuldades em transmitir seus conflitos e emoções por meio dos enquadramentos e do ritmo.

O aspecto que mais salta aos olhos é a distância separando as ambições dos recursos à disposição da equipe. Ao invés de adaptar a linguagem do cinema aos meios possíveis – como a belíssima simplicidade dos traços de O Menino e o Mundo, por exemplo –, A Princesa de Elymia busca emular as batalhas grandiosas, o aspecto maravilhoso de palácios e mundos mágicos, além de criar seres humanos naturalistas, sem possuir as ferramentas necessárias para tal. Assim, as deficiências se tornam mais visíveis, desde o cabelo de Zoé, mudando de cor a cada cena, até os flashes e flares multicoloridos que se assemelham a manchas na imagem, passando pela dificuldade de construir uma favela digna de crença, sem o fetichismo do paraíso tropical (vide as imagens aéreas, do Cristo Redentor) nem da miséria (o alerta contra bailes funk, as execuções no beco).

Para além das questões de ordem técnica e estética, a narrativa também pode ser questionada. O filme mira em mensagens universais da luta do bem contra o mal, da crença em si mesmo e dos valores familiares. Ou seja, mesmo situada num cenário nacional, a trama não faz uso de situações específicas da nossa sociedade, preferindo um amplo panfleto de valores comum a tantas produções internacionais. Quem seria, no Brasil de 2019, o equivalente do vilão Tempestança? De que maneira a busca desenfreada pelo poder por parte do tirano encontraria ecos no nosso país? Além disso, de que adianta empoderar duas mulheres - uma pertencente ao reino mágico, e a outra, aos morros do Rio de Janeiro - apenas para passar o bastão ao rei e restituir o patriarcado rumo ao final? A animação certamente tem a capacidade de ir mais longe na sua percepção dos problemas (tanto sociais quanto da indústria cinematográfica) e na capacidade de representá-los.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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