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Sinopse

Ali vira zeladora num prédio de Nova Iorque após um longo período servindo o exército norte-americano. Assim que uma simpática família é feita de refém, ela precisa utilizar suas habilidades táticas para salvá-la.

Crítica

Abandonar séries de sucesso no auge de sua popularidade é um gesto comum entre artistas, mas as trajetórias que deram (muito) errado após tais decisões também não são raras. Quem não lembra de George Clooney, que saiu de Plantão Médico (1994-2009) para estrelar o catastrófico Batman & Robin (1997), ou Dan Stevens, que exigiu dos produtores que seu personagem em Downton Abbey (2010-2012) fosse morto no final da terceira temporada com a intenção de alçar voos maiores, mas tudo o que conseguiu foi aparecer em títulos duvidosos, como O Hóspede (2014) ou Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba (2014), por exemplo. Tudo bem que, eventualmente, acabaram se encontrando (Clooney ganhou o Oscar por Syriana: A Indústria do Petróleo, 2005, e Stevens conseguiu ser um dos protagonistas do bilionário A Bela e a Fera, 2017), mas não seria esperar demais que o mesmo acontecesse com Ruby Rose? Afinal, após abandonar o navio tendo participado de apenas uma temporada como a personagem-título de Batwoman (2019) – e de todo o alarde feito pelo anúncio de ter sido a primeira mulher assumidamente LGBTQIA+ a interpretar uma super-heroína na ficção – se o melhor que conseguiu foi esse A Protetora, o sinal de alerta deve ter disparado ao máximo, pois é difícil imaginar um segundo passo pior do que este que aqui se verifica.

Há muita coisa errada nesse filme. Para começar, temos o título original, The Doorman, que poderia ser traduzido diretamente como O Porteiro. Alguém poderia alegar: “ah, mas é uma daquelas palavras em inglês que não indica o sexo da profissão”, mas isso é facilmente passível de discordância, pois se trata de um “door+man”, e não de uma “door+woman” – como seria o caso da trama, aliás. Afinal, esta é a função de Rose desempenha, ao voltar a Nova Iorque depois de um incidente trágico na Romênia quando estava a serviço nas Forças Armadas. Sendo assim, o mais lógico seria batizá-lo por aqui de A Porteira – o que acabou sendo feito momentaneamente, e há legendas que comprovam o uso do termo – mas essa é uma expressão que possui um outro significado mais popular no Brasil: a porteira da fazenda, e não a mulher que trabalha na portaria de um prédio. Por fim, para evitar qualquer confusão, optou-se pelo genérico A Protetora, que não diz nada em específico, mas acaba servindo para definir a missão da atriz em cena: proteger os seus, mesmo que isso seja tudo o que lhe resta.

O longa dirigido pelo japonês Ryûhei Kitamura é até despretensioso, o que talvez seja seu único mérito. Pois tudo o que demonstra estar preocupado é em entregar uma variante da saga Duro de Matar, agora com ex-modelo, DJ, boxeadora, cantora, apresentadora de televisão e VJ da MTV – além de atriz, é claro – no lugar de Bruce Willis. O resultado, no entanto, só torna mais óbvio o que já deveria ser evidente: que saudades de John McClane! O emprego que ela arruma é em um edifício que está prestes a passar por uma intensa reforma, durante a qual todos os moradores deverão se ausentar de suas casas. É o momento ideal para um traficante internacional de obras de arte (Jean Reno, que deve estar com mais boletos atrasados do que Nicolas Cage) invadir o lugar com sua gangue para ir atrás de pinturas valiosíssimas que estariam escondidas nas paredes de um dos residentes, com quem o bandido teria trabalhado décadas atrás na Alemanha Oriental.

Mas é claro que não estão sozinhos no prédio. Há mais um apartamento que segue ocupado, e é justamente o da família de Ali (Rose), de quem ela andava afastada e aproveita justamente o feriado de Páscoa para ensaiar uma reaproximação. Sim, pois não basta o thriller policial, há ainda um drama pessoal – envolvendo traição entre cunhados, uma irmã falecida e crianças que não se entendem com o pai – para tornar o conjunto ainda mais moroso e entediante. Cada passo é dado com o nítido propósito de que será empregado logo mais adiante, tornando o conjunto absolutamente – e desnecessariamente – previsível. A protagonista é uma ex-militar, e por isso será a única a conseguir enfrentar os vilões. Quando o sobrinho anuncia conhecer passagens secretas pelos corredores, é óbvio que tal habilidade irá socorrê-lo quando em perigo. O desenho da menina, a senhora que é ajudada e revela um fato importante a respeito dos vizinhos, ou o professor que tem especial interesse pelas artes: nada é aleatório no enredo. Como um quebra-cabeça que não faz esforço algum para ludibriar seus jogadores, entregando de antemão a resolução de cada um dos seus problemas.

Soma-se a isso o fato de Ruby Rose surgir particularmente desmotivada – falta-lhe brilho e energia em cena – e um antagonista que há muito deixou seus melhores dias para trás – e pensar que Reno chegou a estrelar sucessos como Imensidão Azul (1988) e O Profissional (1994), entre outros. As lutas são preguiçosas, os embates físicos são visivelmente ensaiados, as coreografias carecem de inspiração e a fotografia, assim como a montagem, parece estar sempre um segundo atrasada, demorando para captar os melhores ângulos – o que raramente consegue, aliás. Para completar, há uma trilha sonora exagerada, que serve apenas para reforçar o que já está explícito na tela, e um diretor pouco criativo, cujos maiores destaques de sua carreira até então eram uma sequência desnecessária (Godzilla: Batalha Final, 2004) e um terror que tem como único ponto de curiosidade o fato de ter sido um dos primeiros trabalhos de Bradley Cooper (O Último Trem, 2008). Com A Protetora – ou A Porteira, ou O Porteiro, ou sei lá o que – ele apenas confirma sua visão limitada enquanto realizador, entregando um longa que absolutamente nada de original apresenta, ao mesmo tempo em que estraga todas as ideias minimamente interessantes que tenta reciclar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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