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Sinopse

Membro de uma importante companhia de Teatro, Teo enfrenta os ossos do ofício da profissão de ator. Ele foi escalado para encenar a peça "Entre Quatro Paredes", de Jean Paul Sartre, mas foi removido do elenco quando o diretor resolveu usar um critério duvidoso para montá-lo: a popularidade dos atores nas redes sociais. Sentindo que seus talentos foram desmerecidos, Teo decide usar as plataformas virtuais para manipular seus colegas de trabalho, mas a brincadeira acaba tendo graves consequências.

Crítica

Durante boa parte de sua duração, A Quarta Parede é o registro despojado dos bastidores de uma montagem teatral encabeçada por um elenco jovem. Embora a primeira cena, bem filmada, aliás, mostre a entrada da trupe num velório, deflagrando assim a existência dos traços dramáticos ou até trágicos – isto, dado o comentário sobre o caixão fechado por conta do estado lastimável do corpo –, o decurso é uma sucessão de confraternizações. Nelas, Teo (Tutty Mendes) desempenha papel ambíguo, geralmente sendo o que filma os demais em momentos de descontração e nos potencialmente comprometedores. O cineasta Hudson Senna alterna interações entre os postulantes a uma vaga no elenco da montagem de Entre Quatro Paredes, escrita por Jean Paul Sartre, e depoimentos do protagonista a uma delegada que demonstra contrariedade diante do seu confiante interlocutor. Há, ainda, testemunhos contra o fundo preto, lacônicos e algo complementares.

Em A Quarta Parede, o diretor da peça é despótico, vide a cena em que ele obriga, aos gritos e fora do quadro, atores e atrizes se despirem. A exposição forçosa do corpo, então, adquire sintomas de violência, elemento novamente utilizado adiante. Esse homem, cujo poder de decidir colocações e, por conseguinte, impulsionar ou estagnar carreiras, representa o que também pode ser visto em Teo, especialmente quando o filme deixa de esquadrinha-lo banalmente, passando a oferecer ao espectador a faculdade manipuladora de sua personalidade. Todavia, até que o longa-metragem se detenha frontalmente naquilo que pretende discutir a sério, há uma consecução de cenas em que as pessoas fazem coisas ordinárias, como jogar “verdade ou consequência”, vomitar depois de uma bebedeira e confessar aventuras amorosas. Falta consistência nesse percurso intermediário marcado, inclusive, pela recorrente perspectiva do celular que visa dinamizar o todo.

A Quarta Parede preserva características de Entre Quatro Paredes, tentando criar um substrato à construção da pretensamente profunda elucubração acerca da arte e, sobretudo, do papel do artista, dos poderes excepcionais dos quais ele pode se valer para conjurar realidades e atingir propósitos. Mas, Hudson Senna não consegue substanciar os personagens, fazendo deles meros joguetes sem tanta singularidade. Teo, espelho de Garcin, o protagonista da peça que, querendo ser herói, acaba demonstrando covardia, revela-se capaz de barbaridades para chegar ao resultado desejado. Nesse sentido, toda a maquinação que resulta no estupro da colega é uma prova de sua falta de escrúpulos. Entretanto, o filme aborda levianamente um assunto tão delicado como a violação, escanteando a vítima e se eximindo de criticar a fundo o machismo que “autoriza” o diretor a violentar a aluna por, supostamente, ela ter lhe enviado antes fotos insinuando o desejo de transar.

No que tange à nudez, A Quarta Parede expõe frequentemente os corpos sem naturaliza-los desnudos. Afora a comentada passagem do constrangimento, há várias de seios desnecessariamente à mostra e interações embaixo do chuveiro que resvalam numa conotação vulgarmente sexual pela semelhança com certas convenções de exemplares pornográficos. Em praticamente dois terços da narrativa, a produção faz um registro casual dessa trupe que, ocasionalmente, discute a natureza da arte. Hudson deixa os personagens falarem aleatoriamente, não se preocupando com a constituição de uma tessitura bem tramada. Apenas perto do fim, em desabalada carreira, ele enfileira temas como a homofobia, a devassidão da intimidade e o machismo estrutural, porém não dispondo de terreno para ir além de um rascunho com boas intenções, inábil por esquecer-se de que tais atrocidades atingem pessoas feitas de camadas, como almeja demonstrar o protagonista.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Marcelo Müller
4
Edu Fernandes
5
MÉDIA
4.5

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