Crítica
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Crítica
La Quietud é o nome da estância de uma das mais tradicionais famílias argentinas. É lá onde Augusto (Isidoro Tolcachir, de Zama, 2017) e Esmeralda (a fantástica Graciela Borges, de Dois Irmãos, 2010) decidiram se refugiar, longe do barulho e da confusão da cidade grande, após a aposentadoria dele do escritório de advocacia que criou e por tantos anos liderou. Quando precisam enfrentar o movimento urbano, é na filha Mia (Martina Gusmán, de Elefante Branco, 2012) que confiam – mais por falta de outras opções, é preciso confessar. Afinal, a outra filha, Eugenia (Bérénice Bejo), há muito saiu de casa e se mudou para Paris, onde mora com o marido, Vincent (Edgar Ramírez). Porém, quando o patriarca tem um infarto fulminante que o deixa em estado vegetativo, uma reunião familiar é providenciada às pressas. E será essa proximidade o combustível que fará de La Quietud cenário de segredos revelados, antigas desavenças, traições renovadas e mentiras reincididas, um quadro que faria o nosso Nelson Rodrigues transbordar de orgulho.
O aspecto novelesco em nenhum momento é evitado no longa de Pablo Trapero. Ele já havia flertado com o gênero em títulos como O Clã (2015) – premiado no Festival de Veneza – ou Abutres (2010) – selecionado para o Festival de Cannes – mas nunca de forma tão declarada. E as revelações começam com a chegada daquela que há muito havia partido: é impressionante a semelhança entre Eugenia e Mia, a ponto de não ser possível distinguir quem é qual. Bérénice Bejo, indicada ao Oscar por O Artista (2011) e esposa do realizador francês Michel Hazanavicius, e Martina Gusmán, companheira do próprio Trapero, são preparadas para parecerem gêmeas – ainda que assim não sejam na ficção – acentuando uma similaridade que naturalmente possuem. E a entrega de uma nos braços da outra – afinal, não se viam há anos – reforça esse sentimento e inquietação: qual fez o que, quem está desejando o marido da outra, por qual o novo aspirante a conquistador está ansiando cortejar? E mais importante: qual das duas desfruta do carinho da mãe, e qual recebe apenas desprezo e irritação?
É curioso perceber que o que se desenrola em cena em La Quietud não tem pressa em se manifestar, mas, quando assim o faz, é de forma tão arrebatadora que de tais eventos será quase impossível se libertar. É assim que o cineasta exerce o seu cinema, aproximando-o da audiência tão lentamente que, quando enfim se percebe, já não há mais tempo para um passo atrás. Eliminando-se qualquer maior distanciamento, será possível o estabelecimento de uma identificação mais efetiva. São barbaridades que se vê em cena, isso é fato. Mas como cada um no lado de cá da tela reagiria em iguais situações? É difícil condenar, ainda mais exercer qualquer tipo de julgamento, uma vez que não se sabe por completo as condições que levaram a tais desfechos. O mundo pode ter se transformado irreversivelmente nas últimas décadas, mas algumas verdades seguem absolutas. Mas como levar adiante crenças de ontem em um hoje cada vez mais corrompido pelo excesso e pela desconfiança?
Com o marido em coma, Esmeralda deixa aflorar tanto o ressentimento de uma vida que a colocou numa sinuca da qual não sabe como escapar como o alívio de, finalmente, estar livre de um fardo que há muito tempo carregava. Ambas as filhas percebem a mudança, e se uma recorre ao pai moribundo como última forma de amparo, estará na outra a chave para as pequenas –e necessárias - transições que começam a acontecer. Um velho pretendente que ressurge, uma gravidez inesperada é anunciada, um acidente no meio da noite que pode dar fim a sonhos vãos. Trapero é ciente da semelhança entre suas protagonistas, e investe nisso como um elemento a mais de sua história. As duas tanto admiram quanto desejam a si mesmas, de forma mútua, assim como, se pudessem, no pescoço da outra pulariam sem pensar duas vezes. Mas mais do que as angústias que enfrentam hoje, estará nos pecados do pais, cometidos séculos atrás, a força que, quando alcança a superfície, irá alterar definitivamente os seus entendimentos.
Estamos diante dos últimos dias de La Quietud. E o que se percebe é a fina ironia de um batismo que não encontra ressonância em nenhum dos personagens aqui reunidos. Esmeralda é ríspida com quem não merece e dá carinho a quem não o pede, agindo na calada da noite para atender um antigo anseio que não pode mais calar. Mia é quase invisível, desviando de olhares ao mesmo tempo em que está atrás daquele que, enfim, consegue percebê-la. Eugenia evita quem a quer, assim como finge não saber o que se passa diante dos seus olhos. E Vincent, o último a chegar, tem as mulheres aos seus pés, do mesmo modo em que é manipulado por elas. Poderiam ser apenas tipos, mas o roteiro do realizador – escrito em parceria com Alberto Rojas Apel (O Candidato, 2016) – é incisivo em seu intento em não deixar nada – nem ninguém – escapar ileso dessa enxurrada de mistérios há muito abafados e desabafos quase esquecidos. Ao espectador, cabe manter a atenção e seguir adiante: afinal, o melhor ainda está por vir.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 8 |
Daniel Oliveira | 3 |
Chico Fireman | 4 |
Francisco Carbone | 3 |
MÉDIA | 4.5 |
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