A Resistência de Inga
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Grímur Hákonarson
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Héraðið / The County
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2019
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Islândia / Dinamarca / Alemanha / França
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
Inga não luta. Ela resiste. Em tempos como os atuais, principalmente os que encontram ressonância no momento sócio-político brasileiro de 2019, a determinação vista em A Resistência de Inga parece ser um grande exemplo, ainda que aplicado a um outro contexto e realidade. Mas além disso, é também um alerta sobre as possíveis consequências de tais atos. A pura emoção pode gerar nada de proveito, enquanto que a razão calculada, muitas vezes, é que leva mais longe. Por outro lado, não basta apenas um abrir dos olhos: a verdadeira e significativa mudança só vem do conjunto, da união. Estes são alguns dos temas abordados pelo longa de Grímur Hákonarson, cineasta islandês que já havia deixado muita gente intrigada com seu trabalho anterior, o premiado A Ovelha Negra (2015). Desta vez, volta ao seu habitat de origem, talvez não tão esperançoso, mas não menos incisivo.
Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir, de Pardais, 2015) e o marido administram uma pequena propriedade rural no vasto interior da Islândia, um país onde 80% da população vive na capital, que ocupa menos de um terço do espaço territorial. Ou seja, há muito campo desocupado, e é importante torná-los produtivos. Por isso, soa natural dentro dessa lógica, uma situação que é facilmente perceptível por recursos sutis do roteiro, a rede que liga os principais personagens. Moradores de comunidades e pequenas cidades, quase todos dependentes das lidas campeiras, é até mesmo óbvio que tenham buscado entendimento, identificação e proteção através da formação de cooperativas. Mas o que fazer quando essas, nascidas como resultado das suas próprias iniciativas, se voltam contra eles? Pois é o que se passa no episódio aqui narrado.
Aos poucos, Inga começa a perceber que a cooperativa, ao invés de ajudar, está quase que na sua totalidade estabelecida a partir de um relacionamento abusivo com seus associados. Os preços por ela praticado são os mais altos, as práticas são injustas, as cobranças impiedosas. No entanto, o discurso que profere divulga o oposto, como se todo sacrifício fosse em nome de um bem maior. Os únicos beneficiados acabam sendo aqueles que estão envolvidos em funções políticas, na diretoria ou em cargos administrativos, enquanto que todos os demais, aqueles que realmente a ergueram e cujos esforços a tornaram o símbolo que representa, são os que pagam o preço mais alto. Quando o marido morre em um acidente, e alguns dos seus segredos vem à tona, Inga passará a ter uma maior consciência de tudo que está se passando ao seu redor. E ao invés de optar pela segura ignorância, será a vez de, enfim, fazer alguma diferença.
Para o espectador brasileiro, acostumado a ficar a par de notícias sobre milícias urbanas ou enfrentamentos no agronegócio por todo o país, a forma até mesmo civilizada como se dão os embates verificados em A Resistência de Inga parecem quase inofensivos. Afinal, algumas cadeiras de piscina e vasos ornamentais quebrados – de um lado – e derramamento de leite em via pública – do outro – se assemelham mais a registros de vandalismo inconsequente do que a um verdadeiro confronto, uma guerra tão física quanto psicológica (se não mais). Portanto, para melhor compreensão do que o drama do diretor Hákonarson está se propondo a explorar, é necessário um exercício de empatia saudável, ainda que nem sempre visto com bons olhos. A discussão, por mais que envolva violência, se dá mais no campo das ideias do que da aniquilação, pura e simples.
Definidos os personagens e expostos os dois lados dessa questão, A Resistência de Inga se encaminha, tristemente, a um desfecho que, se não chega a ser deprimente, ao menos está longe do conto de fadas que muitas vezes o cinema costuma encenar em sua constante fuga da realidade. Talvez por isso mesmo, o filme resulte em um discurso duro, mais verossímil e tristemente concreto, do que a maioria possa estar buscando. Longe do esperado, mas ainda assim completamente de acordo com o que poderia ser imaginado. Em resumo, resta apenas o questionamento, até mesmo quanto à validação dos protestos e dos movimentos que levaram cada um, independente do lado da tela em que se encontre, até aquele ponto. Calar, nunca. Mas como ser ouvido, quando todos lhes viram as costas? A vitória pura e simples não interessa, se não acompanhada de resultados práticos. E é justamente esse pensamento, analista e prático, que Inga e seus espectadores devem carregar como aprendizado.
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