Crítica
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Sinopse
Tentando escapar momentaneamente de sua triste rotina, uma garçonete que mora na Nova Jersey dos anos 1930 se refugia na magia do cinema. Um dia, o herói de seu filme favorito literalmente sai da tela e se declara para ela.
Crítica
“Você está do lado errado da tela!” Com essa declaração de espanto, os personagens do filme A Rosa Púrpura do Cairo percebem o personagem Tom Baxter simplesmente pular da projeção e invadir o mundo real, motivado pelo encanto que começa a sentir movido pela assistência constante da bela e delicada Cecília, mulher que, para fugir dos inúmeros problemas que está enfrentando em sua vida real, decide passar o dia inteiro dentro da sala de cinema, revendo uma sessão atrás da outra do mesmo longa. Lançado há exatos trinta anos, este aclamado trabalho de Woody Allen – apontado pelo próprio como o seu favorito dentre sua extensa filmografia – se revela mais atual do que nunca, propondo uma interessante discussão entre realidade e fantasia, o fim dos limites entre o virtual e o concreto e a dificuldade que o ser humano tem em lidar com as pedras que surgem diariamente pelo caminho, preferindo formas de escapismo a ter que enfrentar de frente cada situação mais difícil. Parece ser apenas mais uma comédia romântica, mas o que se tem aqui é muito mais do que isso.
Defendida por aquela que talvez seja a melhor interpretação de Mia Farrow – e isso que estamos falando da atriz que tem títulos como O Bebê de Rosemary (1968) e O Grande Gatsby (1974) no currículo – Cecília é uma personagem de fácil empatia. Desajeitada e sonhadora, está com o emprego como garçonete por um triz, ao mesmo tempo em que leva uma vida infeliz ao lado do marido (Danny Aiello), um vagabundo desempregado que a explora financeiramente e a trai com outras mulheres todos os dias. Estamos nos anos 1930, período negro da Depressão nos Estados Unidos, pelo qual o país passou com sofrimento e enormes dificuldades. A única maneira rápida e barata de alívio era, justamente, o cinema. Poder visitar mundos diferentes, realidades distantes e universos fantásticos por apenas alguns centavos durante duas horas ou mais era quase irresistível para muitas pessoas, e entre elas está nossa protagonista. Mas as coisas ficam realmente confusas quando não apenas as pessoas reais querem fugir para a ficção, abrindo espaço também para o contrário se fazer possível.
Tom Baxter é um personagem ficcional, e como tal ele possui características especiais. Seu dinheiro é falso, a champanhe que está acostumado a beber é mero refrigerante, sua “noite de amor” é composta por um beijo seguido por fade out, e nunca se machuca, por exemplo. Estaria apto, portanto, para levar adiante um romance que carecesse destas particularidades? Sua fuga do filme dentro do filme provoca um rebuliço nacional, gerando pânico em Hollywood, desespero entre os donos de cinemas e desconforto entre os demais personagens da história, que não sabem como continuar sem a sua presença. Mas o mais afetado é Gil Shepherd, o ator que o interpreta. Astro em ascensão, se vê envolvido no meio de uma confusão que pode prejudicar sua carreira. E para impedir que isso aconteça, fará o que for preciso – até enfrentar seu medo de aviões ou coisas piores. O rosto angelical de um jovem Jeff Daniels é perfeito para o papel duplo, alternando ingenuidade com segundas intenções habilmente disfarçadas. E se a conclusão que propõe é infeliz para alguns, é necessária para outros. E inevitável, acima de tudo.
Com enxutos 72 minutos de duração, Allen constrói uma fábula concisa e envolvente, em que o mote de sua história é desenvolvido com impressionante competência, sem exageros ou adendos desnecessários. A Rosa Púrpura do Cairo que o explorador procura na fantasia é tão rara quanto a devoção de Cecília, uma mulher cujo espaço está na ficção, e não na realidade. Porém o que está se vendo é, por si só, um filme imaginado e elaborado, e não um reality show. Portanto, a metalinguagem se faz presente de forma leve e abrangente, sem desculpas para desvios. O cineasta leva essa questão com absoluta consciência, jogando no mesmo discurso críticas ao star system hollywoodiano, ao embate entre comunismo e capitalismo e discutindo a presença da mulher na sociedade. Como dizer tanto com tão pouco? O mestre ensina, mais uma vez.
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