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Sinopse

Ao lado de sua namorada, Edward decide desvendar os segredos a respeito de sua família biológica, com quem nunca teve contato. No entanto, o que parecia ser uma jornada de descobertas pelo norte de Portugal, rapidamente se transforma em um pesadelo, pois os laços que o unem a sua família estão mergulhados em um segredo macabro.

Crítica

A existência do duplo por muito tem servido de inspiração para os autores de histórias de horror e/ou fantasia. Títulos como O Homem Duplicado (2013) – baseado em José Saramago – e até mesmo a novela brasileira O Outro (1987) permitiram inúmeras investigações a respeito daquilo que hoje se convencionou chamar de multiverso, ou seja, os diferentes caminhos que uma mesma pessoa – ou duas iguais – poderia percorrer diante dos distintos pontos de cruzamento. Poucas vezes, no entanto, essa relação dúbia de ódio e admiração foi tratada de modo tão leviano quanto neste A Semente do Mal, um decepcionante passo seguinte na carreira do realizador Gabriel Arantes, que antes havia assinado o instigante Diamantino (2018) – este co-dirigido por Daniel Schmidt. Teria sido o colega responsável por tamanha diferença entre um projeto e outro? Esta parece ser uma das explicações possíveis, pois se no seu longa anterior a provocação e a originalidade pareciam ditar as decisões narrativas, o que se vê dessa vez é uma tentativa falha em emular uma estrutura genérica afoita por um mercado internacional. E sem se mostrar relevante em casa, e muito menos frente a um cenário permeado por semelhantes igualmente desprovidos de identidade, tudo o que consegue é um produto incômodo.

O título internacional, Amelia’s Children, ao menos denota um pouco mais de personalidade ao conjunto. Afinal, tanto Edward quanto Manuel (ambos vividos sem muitas nuances por Carloto Cotta, personagem-título do já citado Diamantino) são filhos de Amelia (Alba Baptista, que ao menos se esforça numa composição desprovida de distrações quando vista na juventude, e Anabela Moreira, perdida por trás de uma maquiagem que nem mesmo o grotesco consegue trabalhar com eficiência, falhando em propor a velhice dessa mesma mulher). O filme, no entanto, começa com a separação das crianças, logo após o nascimento. Sozinhos em uma casa afastada de tudo e todos, tendo como companhia apenas o olhar disperso da mãe, um dos meninos é sequestrado durante um momento de distração materna. O espectador, obviamente, é levado a acreditar em uma invasão agressora, levando a uma família desfeita e a um trauma que nem mesmo o passar dos anos poderá superar. Mas esta é apenas a primeira das tantas – e óbvias – armadilhas que o diretor e roteirista se encarrega de preparar para a audiência. Tolos serão os que se deixarem enganar pelas primeiras impressões.

Após um corte de duas ou três décadas, o que se percebe é que a verdadeira protagonista de A Semente do Mal é Riley (Brigette Lundy-Paine, de Bill & Ted: Encare a Música, 2020, ao menos empenhada e percorrer o trajeto que lhe é proposto com digno comprometimento), namorada de Edward. É ela que, num aniversário do rapaz, lhe oferece a oportunidade uma investigação de seu DNA através de um app que poderá lhe revelar laços familiares que sua condição de órfão havia lhe negado. É quando ele descobre possuir não apenas uma mãe, mas também um irmão gêmeo. Ambos moram no interior de Portugal, e é para lá que o rapaz, acompanhado de sua garota, decidirá partir em busca de reencontro. Porém, o que lá lhe espera está longe de ser dito como “normal”. Uma senhora entrevada e deformada por cirurgias lhe oferece abraços distantes, enquanto o homem que a eles se abre por meio de um abraço fraternal é tanto simpatia dissimulada quanto desprezo calculado. É evidente que algo está errado. E não levará muito para a verdade ser revelada, percorrendo uma cartilha fácil de ser antecipada.

O espectador mais atento poderá identificar com facilidade lendas recorrentes na cultura pop de motivações fantásticas. Uma referência imediata é a personagem de Michelle Pfeiffer em Stardust: O Mistério da Estrela (2007). Nesta trama criada por Neil Gaiman, a estrela hollywoodiana aparecia como Lamia, a líder de um grupo de bruxas que se alimentava de jovens almas para poder se manter bela para sempre. A ausência dessa energia, que necessitava ser constantemente reposta, lhe consumia ferozmente. Eis, enfim, o que acontece com Amelia. No entanto, o “alimento” do qual necessita é fornecido por ela mesma. Tal qual aponta o batismo original. Edward, envolto por uma falsa ternura que durante toda a vida nunca teve acesso, se mostra por demais cego para perceber o que está acontecendo ao seu redor. É por isso que essa responsabilidade caberá à Riley, que não apenas terá que salvar o próprio pescoço, como também daquele que acredita estar em perigo. Mas como provocar uma mudança tão radical em quem não deseja ser confrontado com algo diferente daquilo que está diante de si? O desafio de lidar com o oculto por trás das aparências poderia ser um caminho interessante a ser seguido. No entanto, parece não haver tempo – ou disposição – para que tal cenário se elabore. E assim, as resoluções propostas serão as mais banais possíveis.

É o caso da senhora vista na estrada que tenta alertar os visitantes da ameaça que os aguarda, apenas para ser descartada de forma brutal instantes depois. São figuras quase aleatórias, que pouco acrescentam ao texto além de mostrar uma atenção daqueles no comando ao que de muito já foi feito no gênero, ocupados agora apenas em reproduzir fórmulas desgastadas, sem oferecer uma visão pessoal ao contexto que desenha. É por desfechos como esse que A Semente do Mal perde sua força, incapaz de se distanciar de atuações opacas, estruturas exageradas e um clímax que não apenas demora para se anunciar como, quando enfim se manifesta, serve apenas para confirmar aquilo que era dado como certo. Muito se poderia ter feito para aprimorar o resultado – um maior desenvolvimento da mitologia enfrentada, personagens conscientes de suas funções, uma relação a ser estabelecida entre o hoje e suas origens – mas isso se revela perdido na ânsia por sustos banais e uma violência que seria risível, não se mostrasse apenas inofensiva. Um esforço que não encontra valia nem na proposta, quanto menos na entrega.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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