Crítica
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Sinopse
Louis é um empresário bem-sucedido que troca correspondências com sua futura esposa. Depois de buscá-la nas docas, casar-se com ela e começar uma vida a dois, ele percebe que aquela não é a mulher que lhe escrevia antes.
Crítica
“Não posso dizer que sou feliz com ela. O que sei é que não posso viver sem ela.” A frase de Louis Mahé, personagem vivido por Jean-Paul Belmondo, resume a tônica de A Sereia do Mississipi, um thriller em que a paixão obcecada de um homem por uma mulher extrapola os limites da razão e do romantismo, em que os dois nunca podem ficar separados, mesmo que isso beire a tragédia. O filme de François Truffaut, com claras referências aos seus dois cineastas favoritos, Alfred Hitchcock e Jean Renoir, não foi um dos mais aplaudidos na época de seu lançamento, mas hoje é tido como uma obra sem muitas contestações. E, realmente, é difícil arranjar algum argumento que deponha contra o longa.
Já de cara o público pode entender um pouco a personalidade do rico Louis: nos créditos iniciais são expostas páginas de classificados de jornais com pessoas que procuram relacionamentos. Logo se descobre que o dono de uma fábrica de cigarros da ilha de La Réunion se correspondeu através de cartas com uma bela morena francesa, Julie Roussel. Pois, quando ele vai encontrá-la, no desembarque do navio Mississipi, a personagem de Catherine Deneuve aparece, de longe, sem mostrar claramente o rosto. Ela admite que mentiu, já que enviou a foto da irmã no lugar da sua. Ele também admite que mentiu, já que não trabalha na fábrica, mas é dono dela. Pode parecer um fato simples, de fácil contexto nos dias de hoje, em que diversos relacionamentos são gerados a partir de mentiras sobre fatos e fotos, mas este serve para definir no que será baseada esta relação. Truffaut faz uma jogada de mestre ao mostrar de forma definitiva o rosto de Catherine Deneuve apenas no altar, quando o casal está prestes a celebrar o matrimônio. A atriz está belíssima e sensual como uma loira gélida de Hitchcock, o que não é nem um pouco coincidência. Assim como o filme do ano anterior do cineasta francês, A Noiva Estava de Preto (1968), A Sereia do Mississipi é baseado em uma novela do autor de Janela Indiscreta (1954), um dos clássicos supremos do mestre do suspense.
A Julie/Marion de Deneuve é como as ambíguas Madeleine/Judy de Kim Novak em Um Corpo que Cai (1958) e a personagem homônima de Tippie Hendren em Marnie: Confissões de uma Ladra (1963), outros dois grandes filmes de Hitchcock. Demoramos a conhecer suas motivações, mas sabemos que todas têm uma moral distorcida. Ainda mais quando, passados mais de trinta minutos do longa de Truffaut, Julie/Marion mostra quem é de verdade. O próprio Louis é como os alteregos de James Stewart e Sean Connery nos filmes citados do mestre do suspense: todos são obcecados por estas mulheres de caráter duvidoso, não importando quais meios devem ultrapassar para se estar perto delas. É uma relação doentia que pode até se tornar incômoda para o espectador, já que Julie/Marion trapaceia, rouba e até abandona o protagonista lá pelas tantas, mas nem por isso ele deixa de gostar dela. Seria o sexo o combustível-motor do casal? Truffaut investe numa atmosfera nunca vista antes em seus filmes, a da sensualidade extrema. Não faltam beijos e cenas na cama, além de uma rápida espiada nos seios de Deneuve. Tudo que a personagem exala é sexo, é desejo. E Louis não consegue fugir de seus encantos.
Uma história tão intensa sobre a loucura da paixão cega sempre rende planos em Hollywood. Após vários filmes com sutis referências ao clássico de Truffaut, em 2001 foi lançado Pecado Original, longa estrelado por Antonio Banderas e Angelina Jolie que praticamente remonta este caso insano de amor com muito mais sexo, mas menos Inteligência. Não é nem preciso dizer que se esqueça esta tosca versão. A Sereia do Mississipi surpreende por sua densidade e por chegar tão próxima da realidade. Algo que apenas um cineasta da categoria de Truffaut poderia alcançar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 8 |
Ailton Monteiro | 7 |
Chico Fireman | 7 |
Alysson Oliveira | 8 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 7.4 |
Muito boa a sua crítica com referências interessantes, q eu desconhecia. A refilmagem americana com Banderas para mim ficou muito clara na época, só de ler a sinopse na revistinha de sexta do antigo JB. Fiquei tão perplexa, q escrevi para o crítico na época, pois ele não havia pescado. Fico contente de vc ter mencionado. Por sorte, comprei o filme de uma antiga Locadora! Amo a atmosfera desse filme e os atores! Abraços