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Sinopse

Tony, um homem solitário, viaja ao extremo sul do Brasil para ver uma amiga que está à beira da morte. Ele não chega a tempo, mas encontra Blanca, com quem inicia uma relação imprevista. Nesse lugar desconhecido, se depara com uma cidade repleta de pessoas estranhas e acontecimentos misteriosos, ao mesmo tempo em que tenta encontrar sentido nesse lugar.

Crítica

Ao receber o chamado de Adèle, uma antiga conhecida de sua juventude com quem há anos não mantinha contato, Antônio (Leonardo Machado) – ou Tony, como prefere ser chamado – viaja pela estrada na madrugada, partindo de Porto Alegre até Poblado Oriental, na divisa Brasil/Uruguai. Ao chegar ao seu destino, porém, descobre estar atrasado, sendo recebido por Blanca (Giovana Echeverria), filha de Adèle, que o informa sobre a morte da mãe. Após o funeral, Tony se hospeda por alguns dias na casa da jovem, cercado por suas memórias e pelos mistérios que emanam da pequena cidade e de seus habitantes. Essa ambientação na fronteira entre países sul-americanos, bem como a relação entre personagens com passados nebulosos – e até mesmo a presença do uruguaio César Troncoso no elenco – faz com que A Superfície da Sombra evoque outro trabalho do gaúcho Paulo Nascimento: A Oeste do Fim do Mundo (2013).

Contudo, se no longa anterior o cineasta se mostrava mais interessado na investigação dos dramas existenciais dos protagonistas, neste – que adapta o romance homônimo do escritor Tailor Diniz – ele decide enveredar pelo exercício de gênero, navegando pelas águas do suspense de tintas fantásticas. Sobre os personagens centrais – o passado, os traumas, os desejos – quase tudo é ocultado, com apenas alguns retalhos de informações e de construção de caráter sendo oferecidos. De Tony é possível captar a introspecção em seu jeito calado e direto, assim como certo desprendimento, um ar de indiferença – notado já na sequência de abertura, quando observa um cachorro que acabara de atropelar e o abandona, ainda agonizando, no meio da estrada. Sabe-se também que trabalha no meio musical, já que presenteia Blanca com o disco de uma banda que diz ter produzido.

Sua relação com Adèle se mantém igualmente obscura e, embora o envolvimento amoroso seja sempre sugerido, não se sabe ao certo o grau de envolvimento ou mesmo os motivos que levaram ao afastamento. Já a respeito de Blanca, são expostos fatos de uma infância difícil – a convivência com a mãe alcoólatra, o padrasto abusivo, o pai biológico que nunca conheceu –, estes também envoltos em dubiedade. Se o espectador permanece em meio a incertezas, os moradores do povoado, por outro lado, parecem ter conhecimento pleno dos segredos da garota, da mesma forma que a própria demonstra saber da intimidade dos outros – como o caso da dona do restaurante que fugiu de casa e cujo marido, em um ataque de raiva, degolou o gato de estimação do casal. Uma teia de mistérios que se apresenta diretamente ligada às lendas e superstições locais.

Forasteiro desnorteado, Tony é apresentado a esse contexto folclórico em parte por Blanca, mas, principalmente, por Domiciano (vivido com a competência habitual por Troncoso), coveiro da cidade e cantor de tango nas horas vagas. A partir da aproximação com o personagem, Nascimento acentua o viés fantasioso do longa – já sugerido no vislumbre das “Sete Viúvas da Rua dos Desenganos”, que vagam rezando pelas almas dos mortos – criando uma série de situações cada vez mais insólitas que se acompanham com interesse, como os encontros carnais de Blanca com um amante incógnito ou o caso da mulher há uma semana sentada sobre um baú com os objetos pessoais do filho desaparecido há décadas. Contando com as boas atuações de Machado e Echeverria, o cineasta consegue estabelecer também a ambiguidade desejada na dinâmica de Tony e Blanca, que inclui uma latente tensão sexual.

Outros elementos, como as belas paisagens naturais e os pitorescos personagens secundários que orbitam a trama – destaque para os integrantes do circo, especialmente a mulher do atirador de facas cego – favorecem a concepção de uma atmosfera de absurdo. Entretanto, mesmo tendo todas essas ferramentas em mãos, Nascimento falha em injetar peso à sua construção atmosférica. Sobram imagens plasticamente belas, frases e conceitos enigmáticos – a “alma repartida em duas” – e revelações, ainda que muitas de fácil dedução, no ato final, que flerta ainda com os thrillers envolvendo rituais pagãos, como O Homem de Palha (1973). No entanto, sente-se a falta de consistência, de vigor, na espiral surreal que abraça Tony, sempre vestindo sua jaqueta de couro de cobra à la Sailor Ripley, personagem de Nicolas Cage em Coração Selvagem (1990), de David Lynch.

Infelizmente, do universo onírico lynchiano, A Superfície da Sombra parece carregar apenas essa referência isolada, terminando por frustrar não tanto por seu quebra-cabeça de peças ocultas e sem repostas diretas, mas por, seguindo o próprio título, resvalar apenas na camada superficial da esfera quimérica sem conseguir rompê-la para mergulhar profundamente em seu potencial de instigação.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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