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Sinopse
Depois de dedicar sua vida para ser uma grande policial, Lúcia se depara com dois desafios paralelos. Primeiro, precisa lidar com a descoberta da corrupção de colegas. Segundo, tem de se deparar com o mal de Alzheimer.
Crítica
Chamamos comumente de esquemáticas as histórias contadas sem muitas nuances, de forma simplificada e que se tornam escravas de estruturas previamente definidas. Filme de abertura do 49º Festival de Cinema de Gramado, A Suspeita pode assim ser enquadrado ao trilhar confortavelmente um caminho familiar, sem maiores percalços e surpresas. Nele, é bastante facilitado o processo de antever as verdades inconvenientes por trás do véu das aparências. Sua protagonista é Lúcia (Glória Pires), um dos membros mais efetivos da força policial do Rio de Janeiro. E essa personagem é desenhada com base em modelos tão consagrados quanto desgastados. O cineasta Pedro Peregrino segue à risca o que se espera dessa mulher obsessiva que abdicou da vida pessoal para dedicar-se ao trabalho. Ainda que Glória Pires tente conferir espessura emocional à jornada previsível da agente da lei que vai às últimas consequências em prol da ordem, o roteiro não colabora para que isso aconteça. O mesmo pode ser dito da direção. A câmera desliza elegantemente em certas sequências, mas não demonstra essa sofisticação quando precisa intensificar sensações e atmosferas. Claramente respaldado por várias tradições e elementos do cinema estadunidense, o realizador erra a mão no thriller e no drama.
Exatamente por ser esquemático, A Suspeita não deixa margens para os questionamentos de lugares-comuns e/ou itinerários surrados de filmes/séries melhores. Por exemplo, quando a protagonista chega perto demais da revelação, o inimigo dá um jeito de implica-la como suspeita; diante dos pedidos dos chefes para descansar, ela prefere prosseguir as investigações por conta própria. Nada que a adesão irrestrita às convenções não anuncie muito antecipadamente. Oras, ainda levando em consideração que o filme obviamente pega direções para lá de exploradas em produções semelhantes, não é nada difícil saber (também precocemente) quem está por trás de tudo aquilo. O "improvável" é tão escancaradamente provável que acaba se consolidando como a única via possível. E isso é resultado das tantas fragilidades desse longa-metragem que tende a ser tornar uma experiência frustrante ao espectador que estiver em busca de lógicas intrincadas e conspirações bem construídas ao ponto de gerar labirintos desafiadores. Lúcia é acusada, não tem qualquer empecilho para continuar investigando – alô, alô, corregedoria –, e nem mesmo o agravamento (quase no último terço do filme) do mal de Alzheimer traz algum brilho especial à trama. As costuras pelo submundo do crime nem ocorrem de modo funcionalista, quiçá, para que o ilícito pudesse ser desmontado com alguma veemência. Além disso, é difícil cravar o que realmente motiva a investigadora: senso de justiça? Culpa? Falta de opção?
Lúcia é uma personagem trágica, sem dúvida. Primeiro, se torna vítima da própria conduta obsessiva. Segundo, carrega traumas revelados no clímax – numa dinâmica forçada que apela a um senso melodramático quase inexistente até aquele instante. Por fim, terceiro, sofre de uma enfermidade que a faz perder gradativamente a noção da realidade e a memória. Curiosamente, nenhum desses elementos é tratado com definitivo/imprescindível em A Suspeita. Parece que Pedro Peregrino está mais preocupado em demonstrar conhecimento sobre o cânone dos filmes policiais centrados em investigações obstinadas. Além dos clichês anteriormente mencionados, há o reaproveitamento do quadro elucidativo com fotos e fios sugerindo ligações; das conversas furtivas com os supostamente aliados; do funeral do colega num dia de chuva; da tentativa de incriminar alguém pela morte de uma pessoa querida; dos homens transitando impunemente num limiar tênue entre a legalidade e a ilegalidade; de amores do passado que não cicatrizaram com o passar do tempo. Aliás, a subserviência aos esqueletos narrativos norte-americanos respinga até no cargo – chamar de Comissária a detetive é comum nos EUA – e nos segredos guardados nos galpões típicos da terra do Tio Sam.
Para um filme que começa com alguém escrevendo a fim de não se esquecer, A Suspeita trata de modo excessivamente suplementar a doença da protagonista. Dá para dizer que praticamente não faz diferença o fato de Lúcia ser portadora de um grave quadro degenerativo. Em pouquíssimos instantes a trama é condicionada por uma desorientação de Lúcia ou mesmo se utiliza dessa situação excepcional para adicionar temperos a um molho insosso e ralo. Em termos de comparação, pode-se citar a série Mare of Easttown (2021-), pois ela tem uma protagonista parecida com a de Glória Pires. No entanto, o que sobra na produção da HBO – cuidado com detalhes e a construção de percursos repletos de gente complexa –, falta no filme de Pedro Peregrino. Em que pesem as diferenças de produção, se colocarmos filme e série em paralelo ficará claro que seus criadores têm conhecimento dos esquemas dos quais se valem. No entanto, um (o brasileiro) se apega excessivamente a eles, apelando à nossa bagagem como compensação para aquilo que sua história não oferece sozinha. Enquanto isso, o outro (o estadunidense) é muito habilidoso ao acenar para padrões e equilibrar subversões e adesões. Infelizmente o resultado do longa que abre a 49ª edição do Festival de Gramado é fruto de um servilismo que determina a falta de personalidade de uma trama previsível e frouxa que nem deixa Glória Pires sobressair.
Filme visto online durante o 49º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2021.
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