Crítica
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Sinopse
Franz, um jovem de 17 anos, começa a trabalhar como aprendiz em uma tabacaria onde Sigmund Freud é um cliente frequente. Após certo tempo, os dois estabelecem uma forte amizade. Quando o rapaz se apaixona por uma moça, começa a pedir conselhos amorosos para Freud. Em meio a uma grave tensão política na Áustria e a ascensão do nazismo, os três se vêem no dilema entre sair do país ou permanecer nele.
Crítica
Pode um ambiente quase impessoal, de usufruto diário e fornecedor de necessidades tão básicas quanto corriqueiras, ser também espaço para descobertas e posicionamentos políticos? O diretor e roteirista austríaco Nikolaus Leytner parece pensar que sim. Tanto que faz de A Tabacaria um libelo pela liberdade, tendo como ponto de partida um cenário comum, quase banal. Sua força, portanto, estará no discurso que empenha e defende, assim como na escolha dos atores apontados para levarem adiante esta tarefa. Como resultado, entrega uma obra singela, porém longe de ser pequena. Uma daquelas preciosidades que para muitos passará desapercebida, apenas para ganhar a simpatia e o coração dos que dedicarem a ela um pouco mais do que o mínimo das suas atenções.
O argumento é, no mínimo, inusitado: que tal termos um dos maiores nomes da psicanálise moderna, o dr. Sigmund Freud, como conselheiro romântico? Poderia ser o ponto de partida de uma comédia açucarada tão trivial quanto descartável, mais ou menos como fizeram com Albert Einstein em A Teoria do Amor (1994). Isto é posto na mesa, no entanto, apenas como elemento de curiosidade: o debate vai além do mero ‘quem vai ficar com quem’. Franz (a revelação Simon Morzé) perde o pai logo numa das primeiras cenas – o homem, após transar sob as árvores com a mulher pela qual é apaixonado, decide tomar banho no rio, mesmo sob forte chuva. Um raio o atinge, e este é seu fim. A companheira nem chega a chorar: ele morreu feliz. Resta, agora, lidar com os problemas dos vivos. E para sobreviverem, envia o filho para Viena, onde irá trabalhar na loja que dá título ao filme. Chega como aprendiz, mas logo estará no domínio das (poucas) obrigações que dele serão exigidas.
Sozinho na cidade grande, não irá demorar para se afeiçoar aos que lhe derem um mínimo de afeto – seja o novo patrão, Otto (Johannes Krisch, que trabalhou com o brasileiro Fernando Meirelles em 360, 2011), clientes do estabelecimento que atendem, como o citado Freud (o mestre Bruno Ganz, em um dos seus últimos trabalhos), ou mesmo a paixão que irá se apresentar da forma mais óbvia e, ainda assim, inesperada (a dançarina de cabaré vivida por Emma Drogunova). Com o primeiro, irá aprender a respeito; com o segundo, o tolerância; e com a última, a tolerância. Um irá lhe ensinar os passos da vida adulta, a olhar a todos como iguais, e como o que é irrelevante para alguns pode significar muito para outros. Lições que, numa Áustria pré-Segunda Guerra Mundial, podem representar a diferença entre a vida e a morte. A sabedoria do mais velho, no entanto, o mostrará como ter paciência, como o certo nada mais é do que um amontoado de dúvidas, e que apenas o tempo pode oferecer a última palavra. Por fim, será no sexo oposto que irá descobrir os prazeres da carne e as dores da alma, num melodrama tão previsível quanto verdadeiro.
A relação de Franz com Otto será interrompida de forma abrupta, e por ela restará à audiência apenas o lamento de não vê-la aprofundada. O garoto e seu jovem amor parecem constituídos dos elementos certos para incorrerem na tragédia, livres a ponto de correrem nus pela neve branca, assim como no minuto seguinte se verão obrigados a abraçarem estranhos. Essa montanha-russa emocional servirá como processo de amadurecimento ao rapaz, preparando-o para um novo – e mais triste – país que começa a surgir. Com o psicanalista, no entanto, o processo será tanto de escuta quanto de desabafo. Indagações irão se acumular, assim como alertas de perigo e conselhos de última hora. De forma insuspeita, se estabelecerá entre eles um processo de troca quase impossível, ainda que não desprovido de razão. O exercício é o da imaginação, e quão saudável não seria se deparar com o lado humano do ícone, mais próximo e identificável do que aquele normalmente colocado sob pedestal inalcançável?
Assim, construído sobre alicerces simples, mas ainda assim bem colocados, A Tabacaria se revela um filme de grande coração, que se mostra ainda mais forte por ser também dotada de um bem elaborado sentimento. E dentre as figuras que entram e saem de cena, a mãe do protagonista aos poucos irá se mostrar como uma das mais interessantes, menos pelo que faz, e mais pelo que se vê obrigada a abdicar, seja o convívio com o filho ou até mesmo a própria dignidade, num esforço que a leva a incorrer em mentiras e desculpas na busca por preservá-la. E quando tudo ao redor parece não fazer mais sentido, quando as certezas deixam de existir e os cenários de ontem começam a se desmantelar, será na aposta do futuro que o hoje deverá ser construído. Uma lição quase de almanaque, tais como os devaneios freudianos aos quais o personagem principal frequentemente se vê acometido. Mas não menos verdades do que aquelas estampadas no olhares daqueles obrigados a enfrentar esta realidade que, sem se deixarem cegar, seguirão atentos ao próximo passo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
Realmente, esse filme é uma jóia! Faz alguns anos em que assisti pela primeira vez e desde então não saiu dos meus prediletos.. Sempre que posso eu vejo denovo, é simplesmente perfeito. Parabéns, ótimo post :)