Crítica
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Sinopse
Mesmo depois de dois anos de separação, Rodrigo ainda sofre pela distância de Carla e do filho deles. Um dia, o sujeito chega pela manhã com a desculpa de querer ver o menino, mas acaba permanecendo na casa que foi sua.
Crítica
Com enorme frequência (quase sempre) somos intimados a gostar dos protagonistas dos filmes. Nos identificamos com as dúvidas, os conflitos e os desafios deles e/ou criamos empatia/simpatia por essa gente em situações dramáticas. Os personagens principais tendem a negociar essa adesão conosco, oferecendo em troca comportamentos dignos, arrependimentos, atitudes moralmente corretas ou compreensíveis. Numa lógica dicotômica (bom vs mau), os vilões não precisam se preocupar em nos conquistar. No longa chileno A Taça Quebrada, o cineasta Esteban Cabezas não se empenha em nos fazer aprovar Rodrigo (Juan Pablo Miranda), tampouco o desenha como vilão, pois nega a oposição simples entre bem e mal. O realizador mostra o sujeito chegando à casa da ex-esposa, Carla (María Jesús González), e forçando a reentrada naquele espaço que um dia abrigou seus desejos de construir uma família. O homem telefona para a mulher, avisa repentinamente que está diante da porta, utiliza uma série de chantagens emocionais envolvendo o filho que restou como fruto da união rompida, e não sossega até transformar as negativas de Carla em consentimentos (contrariados). Desde o começo fica evidente a vontade de sublinhar a tensão constante que decorre das inconveniências dele levando às cessões dela. E o drama familiar flerta a todo instante com o suspense.
Enquanto os personagens interagem incomodamente, a câmera se comporta de modo bastante curioso. A composição dos quadros não é alterada para incluir qualquer componente. Quando Carla está sentada tomando o café da manhã, seu novo namorado entra na sala, mas é “fracionado” pela imobilidade do enquadramento. Não há um corte para apresentar Max (Moisés Ângulo) ou, sequer, uma inclinação de ângulo para vermos o seu rosto (o que acontece apenas quando ele se abaixa). E isso se repete em vários instantes de A Taça Quebrada. Assim como os sentimentos e as motivações não respondem a clichês, a imagem evita "pré-requisitos" como o “reenquadra para fazer caber”. O arranjo visual leva em consideração as tônicas dominantes (raiva, desconforto, sofrimento) que ganham tempo para se consolidar. Desse modo, se A entra numa cena protagonizada por B, a câmera continuará atenta ao que B está fazendo/sentindo, mesmo que para isso pareça negligente com A. Se em outra passagem a ideia for reforçar o princípio de uma discussão entre o ex-marido e o atual namorado de Carla, do mesmo jeito as demais peças têm de se encaixar. É uma encenação muito interessante essa que gera sequências propositalmente desconfortáveis. Algumas delas chegam perto do angustiante. E nelas há discussões áridas, sem ímpetos de esclarecer pormenores ou traduzir os sentimentos.
A Taça Quebrada mostra uma realidade infelizmente comum. Rodrigo é um sujeito que não se conforma com a separação, mas, sobretudo com o fato de sua ex-esposa estar refazendo a sua vida afetiva. Esteban Cabezas não parece preocupado com a profundidade psicológica desses personagens em constante rota de colisão. Isso porque não há uma investigação a respeito do que verdadeiramente motiva/influencia as atitudes infantis do protagonista antipático. Tampouco se vai a fundo no que levou ao término da relação anterior e, igualmente, em quais, especificamente, são os resquícios do rompimento aos envolvidos. Simplesmente vemos Rodrigo desobedecendo cada acordo firmado com Carla. Depois de forçar a entrada na casa, ele consegue ser incumbido de alimentar o menino, mas come os cereais para burlar as ordens da ex; após a promessa de levar o menino ao planetário, dá um jeito de modificar os planos para estender sua estadia na residência; Rodrigo se masturba num chuveiro que não é mais seu e usa as roupas do novo namorado de Carla. Em suma, avacalha por não ser bem-vindo, como uma criança birrenta. E o realizador é bem-sucedido ao evitar que ele se torne alguém odioso. Mesmo quando parece usar o filho como desculpa esfarrapada para resgatar a vida perdida é possível enxergar nele um afeto genuíno, Rodrigo é encarado como um homem em desespero e, claro, falível.
A metáfora da taça (na verdade é uma caneca) partida é um tanto óbvia e quase desnecessária. Mesmo que Rodrigo conserte o objeto, ele permanecerá quebrado, tal e qual a relação de afeto e confiança de antes com Carla. Esteban Cabezas aposta em cenas longuíssimas de conversas entre os participantes dessa ciranda de afetos, mágoas e incapacidades. A melhor delas é a que começa com a chegada de Max, passa pelo diálogo ríspido entre os dois homens (parece um pai dando bronca no filho travesso) e termina na imposição da mulher esgotada pelas tantas infantilidades do ex-marido. No fim das contas, o que sobressai em Rodrigo é justamente essa sua falta de maturidade para lidar com o término, o afastamento do filho e a nova felicidade de Carla, com quem tinha projetado uma vida perfeita. Evidentemente, ele faz uma série de besteiras no longa-metragem, chegando ao ponto de ser repreendido por seu fornecedor de maconha. A impotência de Carla também pode ser vista como uma espécie de impossibilidade, mas isso nunca a equipara a Rodrigo. Aliás, o filme se distancia da necessidade de determinar quem tem mais ou menos culpa. A mulher precisa lidar com as demandas de três homens (filho, namorado e ex), em certo momento cede ao cansaço mental e emocional. Já Rodrigo age impulsiva e egoisticamente. Não se trata de um personagem virtuoso ou cativante, mas de alguém que nos convida (em que pese a sua enorme impertinência) a enxerga-lo para além das atitudes atabalhoadas.
Filme visto online durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2021.
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