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Sinopse

Após sobreviver a um naufrágio, um homem se vê em uma ilha completamente deserta. Lá consegue se manter através da pesca, e tenta construir uma jangada que lhe permita deixar o local. Só que, sempre que parte com a embarcação, ela é destruída por um ser misterioso. Logo descobre que a causa é uma imensa tartaruga vermelha, com quem manterá uma relação inusitada.

Crítica

Assim como muito já foi dito a respeito, desde sua estreia internacional no Festival de Cannes, em maio de 2016, A Tartaruga Vermelha é “um filme sem falas que deixa qualquer um... sem falas”. E a redundância, neste caso, não é ocasional. De fato, o longa do diretor e roteirista holandês Michael Dudok de Wit está longe de ter como único mérito o fato de ter retirado o celebrado estúdio japonês Ghibli de uma auto-imposta aposentadoria. A absurda e notória sensibilidade demonstrada ao longo dos cerca de 80 minutos da produção revela um poder de observação e cuidado que está muito além do mero registro narrativo. Aqui, a soma dos seus elementos é muito superior ao valor individual de cada um deles.

Um náufrago consegue, a muito custo, chegar até uma ilha abandonada no meio do nada. Consigo, apenas a roupa do corpo aos farrapos. Ao seu lado, caranguejos curiosos. À sua frente, o oceano sem fim. E atrás de si, a mata cerrada. Sem ter a quem recorrer, sua única esperança está nas próprias mãos. Por isso, logo trata de improvisar uma jangada para voltar ao mar em busca de ajuda. Uma tentativa se revela em vão, duas, três vezes acaba fracassando no seu intento. E o que o impede? Uma tartaruga gigante, vermelha como o coração dentro dele que insiste em pulsar mesmo diante os piores obstáculos. Teria ela algo a lhe dizer? Ou apenas apresentar um novo sentido para sua vida? Quem, afinal, pode antever as surpresas que o futuro nos reserva?

A Tartaruga Vermelha pode ser uma animação, mas nada mais distante da verdade do que afirmar que este é um filme infantil. Ou melhor, que se trata de uma produção voltada exclusivamente ao público infantil. É para os pequenos, também, mas seu espectro de audiência é muito maior. E é, também, um longa que se recusa a dourar a pílula, não fugindo das verdades, ainda que, vez ou outra, invista no fantástico que apenas a sétima arte pode oferecer. Ao olhar para os céus, quem bate graciosamente suas asas sobre todos os demais nem sempre é uma alva gaivota – muitas vezes, pode se tratar de um morcego. Os crustáceos podem ser agitados e espertos, e, talvez por isso mesmo, também se alimentam as pequenas tartarugas deixadas para trás em sua luta pela sobrevivência. É tudo parte do grande jogo da vida. Assim como aquela gigantesca e pré-histórica criatura, de olhar sereno e atitudes decididas. E o homem, que uma vez diante dela precisará aprender como lidar com as consequências de suas ações quando movido apenas pelo instinto.

Quando a mulher surge diante do solitário abandonado naquela ilha de ninguém, a possibilidade de um novo começo também lhe aparece. Os dois, ainda que estranhos um ao outro, logo serão três. E caberá ao jovem a chance de uma nova forma de existir: seguir ali, apenas repetindo os passos já trilhados, ou será o momento de enfrentar o desafio do desconhecido. A natureza, força maior desta história – e quem pode se opor a ela? – também tem seus recados. E assim como se se colocou contra a saída do pai, da mesma forma terá papel fundamental em indicar quando o filho deve partir e seguir seu caminho. Eis aqui, portanto, um enredo atento aos pequenos detalhes, pois são eles que, juntos, compõem o quadro maior. Não aqui ou ali, mas no todo.

Vencedor do Oscar de Melhor Curta de Animação por Father and Daughter (2000), Michael Dudok de Witt volta a concorrer ao prêmio máximo da Academia de Hollywood, agora na categoria de Longa de Animação, com esse belíssimo A Tartaruga Vermelha, seu primeiro trabalho no formato. Premiado no Annie – o Oscar da animação – como Melhor Longa Independente (mesmo prêmio ganho pelo brasileiro O Menino e o Mundo, 2013, um ano antes) e indicado ao Critics Choice e ao César, este, ao lado do igualmente comovente Minha Vida de Abobrinha (2016), é o filme a ser descoberto da temporada. Honesto em seus sentimentos e duramente verdadeiro em cada um dos movimentos, tem em mãos um pequeno conto absolutamente universal, não preocupado em passar ensinamentos ou doutrinar através de mensagens, mas, sim, apostando no exemplo, na importância do erro e no quanto estamos todos conectados – homens, animais, plantas, ambientes. Acreditar, portanto, é só o começo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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