Crítica


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Sinopse

Lorenzo é um advogado aposentado que vive em Nápoles. Egoísta e eternamente cínico, vive em constante conflito com seus filhos. Um dia, quando está voltando para casa do hospital depois de um ataque cardíaco, conhece Michela, sua nova vizinha que perdeu as chaves e está trancada do lado de fora da própria casa, e acaba simpatizando com a moça e desenvolvendo uma inexplicável afeição por ela e seu marido.

Crítica

As relações familiares, em particular os atritos presentes na dinâmica entre pais e filhos, são objeto de estudo recorrente no cinema do italiano Gianni Amelio, vide títulos como As Chaves de Casa (2004) e O Intrépido (2013). Em A Ternura, seu mais recente trabalho, o diretor novamente adentra essa esfera temática, apresentando uma trama inspirada livremente no romance A Tentação de Sermos Felizes, de Lorenzo Marone, e situada em Nápoles, cidade natal do autor. Lá vive Lorenzo (Renato Carpentieri), advogado aposentado de personalidade ranzinza e cínica, por vezes cruel, e que, especialmente após a morte da esposa, mantém um relacionamento distante com os filhos, Elena (Giovanna Mezzogiorno) e Saverio (Arturo Muselli). Certo dia, ao retornar para casa, recuperado de um ataque cardíaco, o recluso homem conhece sua nova vizinha, Michela (Micaela Ramazzotti), que se encontra trancada para fora do próprio apartamento.

Inesperadamente, o protagonista passa a desenvolver uma espontânea empatia pela bela e comunicativa vizinha, bem como pela família da mesma – o marido Fabio (Elio Germano) e seus dois jovens filhos – despertando um sentimento que acaba se intensificando em consequência de um trágico evento. Para expor seu panorama de relações fraturadas, Amelio adota uma narrativa igualmente fragmentada, de situações que nem sempre se conectam de modo retilíneo, repletas de motivações não reveladas, frases não ditas e conflitos inacabados. Assim, é estabelecida uma atmosfera de incomunicabilidade e solidão que envolve os personagens, amplificada pela fotografia horizontalizada, “em scope”, de Luca Bigazzi, que passeia pelos ambientes como o apartamento de Lorenzo, o hospital ou mesmo as ruas de Nápoles, criando uma noção de magnitude que apequena os personagens no vazio de seu isolamento, transferido do aspecto físico para o emocional.

A opção por trabalhar com emoções reprimidas, que acarreta também a ocultação de informações, faz com que a carência de aprofundamento em determinadas questões, capazes de embasar atitudes e mágoas, seja sentida. Amelio, contudo, parece plenamente ciente do risco assumido, fazendo com que este se transforme justamente no fator que afasta seu trabalho da previsibilidade, de um sentimentalismo redentor no qual poderia se afundar com facilidade. No universo de aspereza por ele criado, cada gesto mínimo de afeto, como aquele que ilustra o belo desfecho do longa, acaba ganhando uma nova dimensão, uma contundência muito maior. Por entre as rachaduras afetivas apresentadas, Amelio faz escorrer uma dor genuína, tangível, que ganha corpo através das atuações de todo o elenco, tendo em Carpentieri e seu controverso Lorenzo um ponto de referência.

Se desvencilhando do arquétipo um tanto desgastado do velho misantropo e sarcástico que passa por uma jornada transformadora, Carpentieri compõe uma figura complexa, capaz de despertar impressões conflitantes, mas que nunca deixa de ter seu lado humano e identificável. Gradativamente, se torna compreensível o sentimento que nutre pelos filhos, decifrado por Michela: é a consciência do fato de não ser mais tão essencial em suas vidas, de que esses estão seguindo seus próprios caminhos e enfrentando seus problemas sozinhos, que faz com que Lorenzo tenha “parado de amá-los”, lamentando o fato de as crianças crescerem. A conexão imediata com a vizinha surge justamente por encontrar nela (que revela ser órfã), e em seu marido (figura insegura e problemática) e filhos quem o faça se sentir novamente necessário. O mesmo vale para os momentos passados com o neto, tirando-o da escola no horário de aula, às escondidas, e que revelam também a natureza cíclica da relação pais/filhos, com o garoto já começando a se afastar da mãe.


Entretanto, apesar de Lorenzo ser o personagem central, é das mulheres que o cercam que Amelio extrai a grande força de A Ternura. Seja do carisma e naturalidade de Micaela Ramazzotti, da sentida atuação de Mezzogiorno como a filha que busca a reaproximação com pai, e que ganha mais espaço a partir do segundo ato, ou mesmo de personagens menores, como a amante de Lorenzo ou aquela vivida por Greta Scacchi em uma única, mas potente, cena. Sem exageros ou rompantes melodramáticos, Amelio conduz um longa bastante sóbrio e, mesmo deixando alguns elementos de interesse soltos na trama, como a questão social da imigração – Elena trabalha como tradutora da justiça em casos de imigrantes a serem deportados, e há também uma sequência marcante envolvendo Fabio e um vendedor ambulante – constrói um retrato amargurado, em que, mesmo de modo sutil e silencioso, a ternura do título se faz presente comprovando o seu poder.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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