Crítica
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Sinopse
Pierre trabalha em uma multinacional, sendo responsável por derrubar as árvores nativas de um bosque para plantar pinheiros, a fim de produzir papel. Além do trabalho, ele também divide o tempo com um time de rugby, pelo qual treina com paixão. Um dia, Pierre conhece Ana, professora rural que luta contra os problemas ocorridos na população pelo uso inadequado de agrotóxicos. Ele, então, se encontra sob fogo cruzado.
Crítica
Chegando ao seu quarto longa-metragem como diretor, o argentino Diego Martínez Vignatti impõe a si próprio o desafio de condensar narrativamente diversas temáticas e subgêneros, como o filme-denúncia, o thriller ecológico, o romance impossível e a jornada de adaptação do estrangeiro em território desconhecido. Em A Terra Vermelha, o corpo estranho que habita as paisagens do interior profundo da Argentina, e por cujo olhar todos os dramas são filtrados, é o do belga Pierre (Geert Van Rampelberg), chefe de equipe de uma multinacional responsável pela devastação da floresta nativa da região, visando o plantio de pinheiros para a produção de papel. Dividindo seu tempo livre entre o comando da equipe de rugby local e uma relação casual com a professora Ana (Eugenia Ramírez), Pierre tem sua rotina pacata abalada quando movimentos sociais iniciam uma luta contra a empresa papeleira pelo uso indevido de agrotóxicos que estão contaminando a população.
Diretor de fotografia de origem – tendo exercido a função em produções como Batalha no Céu (2005), do mexicano Carlos Reygadas – Vignatti opta por um registro que mira o naturalismo, com o uso da câmera na mão para se aproximar da estética documental. Uma escolha que se mostra apropriada nas primeiras sequências do filme, fragmentos sem diálogos que acompanham a rotina de trabalho de Pierre e seus funcionários – o corte das árvores, o transporte, a pulverização dos agrotóxicos, a pausa para a refeição etc – mas que vê seu efeito se esvair no decorrer da projeção. Já nos primeiros minutos, também, Vignatti expõe relances das marcas deixadas pela ação química da indústria, com as feridas na pele dos trabalhadores que aguardam o ônibus na beira da estrada e naqueles que se consultam com o médico do povoado, simbolizando a fagulha que deflagra o conflito central da trama.
Um conflito que, para Pierre, ganha contornos cada vez mais particulares, não somente no âmbito sentimental, por interferir diretamente em seu caso com Ana, colocando-os em lados opostos, mas também físico, já que o próprio passa a sofrer com os problemas de saúde causados pela exposição aos agrotóxicos. Com essas motivações explicitadas, Vignatti cria um arco de transformação moderada para o belga, pois, mesmo trabalhando para os antagonistas da história, Pierre sempre é retratado de modo a transmitir empatia: no trato com os garotos do time de rugby, com seus funcionários – chegando a pagar além do combinado a um rapaz cujo irmão está enfermo – ou em ações como consertar a bomba de água da escola. Essa concepção empática, somada ao escopo comedido, torna a mudança comportamental do personagem mais crível, contudo, não menos previsível. Sentimento que envolve todo o filme.
A construção dramática de Vignatti carece de contundência, bem como de viradas, de subversões capazes de gerar maior impacto. A tentativa de estabelecer o mistério, por exemplo, perde seu fator surpresa devido a soluções triviais e à falta de sutileza na encenação – quando um personagem entra sozinho na mata à procura de um cachorro, seu destino já pode ser antevisto com extrema facilidade, assim como os closes repetitivos no rosto de outra figura secundária em todas as manifestações populares e embates com a polícia deixa claro que ela será fundamental para o desencadeamento de uma tragédia já anunciada. Além disso, por mais que o elenco se mostre empenhado e competente, Vignatti não consegue delinear de modo aprofundado seus personagens, bem como as relações dos mesmos, para garantir a imersão plena do público.
Van Rampelberg, em particular, parece se entregar genuinamente ao papel, contudo, sua disposição acaba se perdendo tanto no desenvolvimento frágil do romance com Ana quanto no aproveitamento aquém do potencial do elemento da perspectiva estrangeira sobre os acontecimentos. A mesma inconsistência se estende ao componente de suspense da trama, já que, no momento de maior elevação, a tensão é quebrada com a inserção de passagens banais de calmaria que contrastam com o peso do ambiente que cerca os personagens. Em meio a tantas possibilidades apenas parcialmente exploradas, as pertinentes questões políticas, sociais, econômicas e ecológicas levantadas pelo roteiro – o desmatamento desmedido, o controle do poder pelas grandes corporações, a exploração das classes baixas, os malefícios do uso de agrotóxicos – não ganham todo o espaço e investigação merecidos.
Ao final, Vignatti busca ainda um caminho poético, não totalmente isento de interesse, utilizando o esporte coletivo, a final de rugby do time do vilarejo contra um da capital, como metáfora para a luta dos pequenos contra os gigantes, da população humilde contra os empresários inescrupulosos. Uma batalha constante e aparentemente imutável, tal qual o curso das águas do rio acompanhado pela câmera do diretor nos planos derradeiros. Entre essa aura alegórica e a urgência dos temas denunciados, A Terra Vermelha se encontra num meio termo, faltando a Vignatti a coragem, e o vigor, para se arriscar, para mergulhar na realidade sem medo de sair sujo, coberto pela lama vermelha que forma o solo de seu cenário, preferindo se refugiar na distância segura e asséptica das intenções louváveis como sustentação de sua proposta.
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