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Sinopse

A jornalista Elena McMahon abandona a cobertura da campanha presidencial para ajudar o pai num acordo de negócios. Aos poucos, a destemida repórter descobre que ele pode estar envolvido numa rede de corrupção. 

Crítica

Diante de A Última Coisa Que Ele Queria, é difícil evitar o clichê e afirmar que esse filme é a última coisa que qualquer um poderia querer. Afinal, é complicado imaginar algo mais confuso e repleto de oportunidades desperdiçadas do que o longa escrito e dirigido por Dee Rees, adaptado do romance de Joan Didion. Responsável pelos roteiros de melodramas de grande sucesso, como o Nasce uma Estrela de 1976 e o açucarado Íntimo & Pessoal (1996), a escritora publicou em 1996 esse livro sobre uma jornalista do Washington Post que, escalada para cobrir a campanha política de Ronald Reagan nos anos 1980, acaba se envolvendo em uma trama de tráfico de armas na América Central após receber uma ligação do pai, de quem estava afastada há anos. O material, como se percebe, era explosivo. Porém, nas mãos da cineasta responsável por Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi (2017), o que se vê é uma história irregular, repleta de ações incompreensíveis e personagens inconsistentes, que se revela um exercício ainda mais torturante por ser conduzido por um elenco que transita entre o apático e o exagerado. Um desperdício, portanto, do início ao fim.

A protagonista de A Última Coisa Que Ele Queria é Elena McMahon, interpretada sem muito apreço por Anne Hathaway. Desde que ganhou – sem merecer – o prêmio da Academia por sua atuação como coadjuvante no musical Os Miseráveis (2012), a protagonista de comédias descartáveis como O Diário da Princesa (2001) e Noivas em Guerra (2009) tem sido acometida por aquilo que muitos apelidaram de ‘a maldição do Oscar’. Após o prêmio, apareceu numa ficção-científica que prometia muito mais do que acabou entregando (Interestelar, 2014), marcou presença em continuações descartáveis (Alice Através do Espelho, 2016, e Oito Mulheres e um Segredo, 2018), e fez apenas um único filme realmente interessante (Colossal, 2016), mas que, infelizmente, quase ninguém viu. Só no ano passado, por exemplo, participou de duas produções – o thriller Calmaria (2019) e o remake As Trapaceiras (2019) – e agora concorre às Framboesas de Ouro como Pior Atriz do ano pela atuação conjunta em ambos os trabalhos! E o que ela faz aqui em nada a ajudará a mudar esse cenário.

Como McMahon, Hathaway mostra o quão equivocada pode ser seu desempenho sem uma mão que a conduza com cuidado. Em cena em quase 100% do filme, ela vai do simples despreparo ao exageradamente irritante em questão de segundos, sem meio termo que possa equilibrar tais transições. A repórter que tenta construir é uma figura impossível de criar qualquer tipo de identificação com o espectador. Sua inconstância é perceptível desde os primeiros minutos, quando começa a se repetir numa série quase incompreensível de recomeços. Primeiro está em algum país da América Central, para logo em seguida voltar às pressas para os Estados Unidos e ser enviada para cobrir a campanha política presidencial. O filme, assim, de aventura na selva passa a se relacionar com os thrillers políticos. Mas isso não dura muito, e assim que o pai entra na jogada – vivido por Willem Dafoe, o único neste cenário capaz de construir algo minimamente sólido – um outro conjunto começa a se desenhar.

É quando tudo aquilo contra o qual ela tanto se empenhava passa a valer como lei. As atitudes incoerentes da personagem avançam progressivamente, e se tornam piores com os envolvimentos pontuais de um agente da CIA (Ben Affleck, em sua pior aparição em anos) e de um bon vivant de relevância questionável (Toby Jones, tão perdido quanto o resto do elenco). Ela está sempre em fuga, mas nunca se sabe de quem, por quê e para onde. Incapaz de estabelecer qualquer relação de confiança – menos ainda com sua audiência – passa a assumir comportamentos desprovidos de uma lógica mais concreta. Nada que a protagonista faz parece ter sentido, ou propósito compreensível. A própria ligação dela com o pai, com quem há muito não conversava, não chega a ser desenvolvida a contento – pelo contrário, é exposta de forma abrupta, como uma imposição, ao invés de algo justificado. Outros laços familiares, como a mãe recém falecida ou a filha que se encontra em um internato, soam mais como apêndices mal colocados do que figuras de relevância nos acontecimentos dos quais participa.

Desprovida de objetivos melhor elaborados e tão desnorteada quanto aqueles com quem acaba cruzando em suas tantas idas e vindas, Elena Mahon é incapaz de se mostrar como uma filha arrependida em busca de uma última chance de se conectar com o pai prestes a deixá-la, e muito menos como uma profissional competente e digna de algum tipo de valor. A força dos movimentos que conduz logo se perde, e os que insistirem em acompanhá-la passarão mais tempo se perguntando quais os verdadeiros motivos por trás de cada decisão do que indagando onde ela pretende ir entre tantos becos sem saída. E quando o desfecho finalmente se anuncia, por mais agridoce que esse seja, não chega a ser, de fato, uma surpresa. Pois há um preço a ser pago por tamanha inocência, seja na ficção ou no lado de cá da realidade. A Última Coisa Que Ele Queria é incapaz de evitar sua própria previsibilidade, e entre tantas opções a serem tomadas, naufraga não pelas escolhas erradas, mas, principalmente, por não se contentar com um ou outro caminho. Essa falta de comprometimento leva ao excesso, pai de todos os males de um filme que em nenhum momento consegue dizer a que veio.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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