float(0) float(0) int(0)

Crítica


6

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

É o primeiro dia de verão e o último de Claire Darling, ou é isso que ela pensa. Para tanto, espalha todos os seus pertences no gramado, em uma grande venda de última hora. Enquanto uma horda de curiosos e vizinhos retira essas antiguidades por alguns centavos, cada objeto ecoa a vida trágica e extravagante da senhora.

Crítica

Baseado no livro Faith Bass Darling’s Last Garage Sale, da norte-americana Lynda Rutledge, A Última Loucura de Claire Darling retoma os temas centrais dos trabalhos ficcionais anteriores da cineasta francesa Julie Bertuccelli – A Árvore (2010) e Desde que Otar Partiu (2003) – tratando do enfrentamento da morte e das relações entre mãe e filha. Transposta do Texas para o vilarejo francês de Verderonne, a trama acompanha a personagem do título, Claire Darling (Catherine Deneuve), viúva na casa dos 70 anos de idade que vive reclusa na mansão da família que um dia fora proeminente na cidade, quando detinha o comando da pedreira local. Certa manhã, no primeiro dia do verão, após uma noite conturbada de sono, Claire, acreditando ter escutado a voz de Deus lhe dizendo ser este seu último dia de vida, decide se desfazer de todos os seus bens materiais, organizando um bazar no jardim da mansão e colocando à venda, por preços irrisórios, móveis, livros e quadros, bem como sua coleção de relógios e bonecos autômatos.

Todos esses objetos, filmados em detalhes por Bertuccelli na sequência de créditos iniciais, carregam um simbolismo essencial. Pois, além da representação direta da passagem do tempo, o apreço por essas figuras mecanizadas, que simulam o movimento e a vida, de certo modo, serve como contraponto para a dificuldade da protagonista em se relacionar com o mundo real e as pessoas que a cercam, entre elas, a própria filha, Marie (Chiara Mastroianni), que ao saber da decisão inesperada da mãe, por meio de uma amiga de infância, Martine (Laure Calamy), decide retornar ao lar depois de anos afastada. Do reencontro com Claire e com esses objetos, tragédias e sentimentos reprimidos são despertados, algo que Bertuccelli registra entrelaçando duas linhas temporais, com as recordações de eventos passados, sem ordem cronológica definida, se misturando ao presente. Uma fusão que, a princípio, parece ser apenas um espelho da condição de Claire, que sofre com lapsos de memória e com uma percepção imprecisa da realidade.

A diretora, contudo, estende a abordagem a todos os personagens, desvelando, assim, os traumas que os assombram, como a morte de Martin – filho de Claire, irmão de Marie – fato responsável pelo sentimento de culpa e causador da ruptura entre mãe e filha. Desde o início, da aura de encantamento que envolve o modo como apresenta os autômatos à presença do circo na cidade, Bertuccelli abre espaço na narrativa para a inserção do elemento da fantasia, algo já bastante presente especialmente em A Árvore. Essa atmosfera fantástica, que inclui a personagem da garotinha que se esconde entre as árvores do jardim da mansão, construindo uma espécie de santuário com objetos furtados da casa – e cuja real existência nunca é confirmada – porém, não chega a sentir-se completamente amarrada, soando muitas vezes solta – e levando a, por exemplo, alguns momentos de humor quase involuntário que destoam do tom dramático geral.

Tal desprendimento também paira sobre as dinâmicas pessoais. Mesmo contando com o talento e a intimidade natural de Deneuve e Mastroianni, mãe e filha na vida real, e ainda com o empenho de Alice Taglioni – que vive a versão mais jovem de Claire – os conflitos expostos transmitem a sensação de incompletude, por mais que se compreendam as motivações e ressentimentos das personagens. Da mesma forma, as relações secundárias surgem fugazes, como a de Marie com Martine e com o também amigo de infância Amir (Samir Guesmi), que nutre por ela uma atração velada – insinuada ao menos em uma cena – ou ainda aquela entre Claire e Georges (Johan Leysen), o padre do vilarejo. Bertuccelli parece optar conscientemente por não responder boa parte das questões levantadas, o que por um lado se mostra salutar e instigante, mas por outro acaba soando como falta de solidez no desenvolvimento dos arcos dramáticos.

Em seu ato derradeiro, A Última Loucura de Claire Darling expande o citado elemento fantástico, antes sutil, criando um desfecho grandioso em que, justamente após um “exorcismo” praticado pelo padre, os objetos de peso quase fantasmagórico do passado de Claire e Marie têm seu destino selado. Uma sequência que claramente faz alusão ao catártico final de Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni, carregando ainda uma interessante reflexão sobre a mortalidade – da permanência através do legado humano e não do material. Assim, entre oscilações, o resultado do trabalho de Bertuccelli acaba operando justamente como a própria memória: nem sempre sólida como um todo, mas composta de fragmentos de beleza e força que possuem seu encanto particular.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
avatar

Últimos artigos deLeonardo Ribeiro (Ver Tudo)

Grade crítica