Crítica
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Sinopse
Nell e Simon resolvem reunir os amigos para celebrar o Natal, mesmo sabendo que uma tempestade sem precedentes se aproxima com a promessa de erradicar a vida humana na Terra. Portanto, não haverá um amanhã.
Crítica
A maior impressão provocada ao término de (e também durante) uma sessão de A Última Noite é como foi possível que tantos atores de renome puderam se envolver com premissa tão absurda. Afinal, não se está falando de uma produção obscura, estrelada por um elenco desconhecido. Pelo contrário. Há em frente às câmeras estrelas indicadas ao Oscar, atrizes campeãs de bilheteria, atores que já trabalharam com alguns dos realizadores de maior prestígio do momento, novatos queridinhos da crítica e herdeiros de sobrenomes que já ocuparam marquises em Hollywood. Mesmo assim, nada disso parece ter sido importante na hora em que concordaram em fazer parte de um projeto que começa de um jeito, logo se revela nada aquilo do que se imaginava para, no decorrer de seu curso, negar qualquer expectativa da pior maneira possível, mostrando-se tão obtuso quanto a pior das expectativas. Há, de forma indiscutível, um forte comentário sociopolítico a respeito da sociedade contemporânea. Porém, os questionamentos levantados são os mais equivocados possíveis, seja pelas bandeiras que, indiscutivelmente, terminam por levantar, como também pelo discurso que elege como lema.
Durante os primeiros quinze minutos de projeção, o espectador é convidado a se deparar com uma típica história de final de ano, envolta por festas e reencontros, marcada pelos característicos afetos – e arrependimentos – natalinos. Passado esses instantes iniciais, logo a verdade vem à tona. E não se trata de uma qualquer. É algo além dos limites do catastrófico, que acabará por afetar os destinos de todos os presentes, dentro e fora da cena, quer queiram ou não. Uma vez isso posto, não há muito o que discutir, e talvez seja por isso o clima de apatia – ou até mesmo escapismo – pregado na maior parte da trama. Mas diante de destino tão trágico – e tão eminente – seria mesmo possível manter tamanha impassibilidade? Não haveria espaço para o desespero, para o reconforto que somente é dado de um para o outro, para o acerto de contas e necessárias despedidas? Nada disso se mostra importante, no entanto. Aos realizadores, o tom é da inevitabilidade do que precisa ser feito. Até, é claro, alguém impor uma mais do que aguardada – até mesmo previsível – voz contrária.
Durante a entrega dos presentes de Natal, o primogênito do casal protagonista se afasta em protesto, questionando em desacordo: “qual o sentido de nos darem brinquedos com os quais nunca poderemos brincar?”. Quando o pai o alcança, ao pé da escada, os dois prosseguem com a conversa, marcada por uma alegação do menino que o homem pouco tem a dizer a respeito: “as baterias desses bonecos irão durar mais do que nós”. Apesar de terem tantos adultos em cena, são os pequenos que incitam a discussão. “Precisamos ser honestos com as crianças”, uma das convidadas afirma. Mas e entre eles? Há quanto tempo abandonaram a sinceridade como força-motriz de suas relações para darem vazão a momentos de puro hedonismo e futilidade, como se apenas o agora tivesse importância, a despeito de qualquer preocupação referente ao amanhã e depois?
As explicações, dadas a partir de argumentações infantis, desenham o cenário apocalíptico: por tempo demais a humanidade maltratou o planeta, é chegado o momento deste revidar. Assim, é fato que uma nuvem tóxica se aproxima, e toda e qualquer pesquisa e estudo feito a respeito afirma que não há como escapar vivo. Pior, os intoxicados morrerão da pior maneira imaginada. Assim, a solução proposta pelas autoridades é a distribuição de pílulas-suicidas, para que o maior número de cidadãos possa “escolher morrer em paz”, ao invés de enfrentar a agonia e a dor. Moradores de rua e imigrantes ilegais, obviamente, não foram contemplados. Mas e os negacionistas, aqueles que se opõem ao que é dito pelos cientistas e governantes? O que destes será feito? E o pior: como se portar diante desse debate, quando a narrativa escolhe um desses “rebeldes” como ponto de vista? Seria fácil vê-lo como um revolucionário. Mas não em 2021.
Em meio a uma onda crescente que visa aumentar o alcance e a ressonância dos esforços artísticos daqueles apontados como minorias, é constrangedor perceber que na direção de A Última Noite está uma mulher. Para tornar a constatação ainda mais revoltante, a novata Camille Griffin é mãe do talentoso Roman Griffin Davis (ninguém menos do que Jojo Rabbit, 2019) e dos gêmeos Hardy e Gilby Griffin Davis, se aproveitando para colocar os três no meio da ação. A narrativa ainda é sustentada pela produtora – e atriz – Trudie Styler, que ao longo de sua carreira apostou em obras instigantes, como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Lunar (2009), entre tantos outras (além de ser conhecida também como esposa do cantor Sting). Juntas, fazem uso dos talentos de Keira Knightley, Matthew Goode, Annabelle Wallis e Lily-Rose Depp, entre outros, para defender um argumento contrário ao que prega o bom senso e o bem-estar comum, privilegiando uma reviravolta previsível e incitadora de polêmicas vazias e discussões desprovidas de elementos ou fatos passíveis de elaboração. Como se o indivíduo estivesse acima do coletivo. Uma noção que em meados da segunda metade do século XX até parecia romântica o suficiente para angariar engajados, mas hoje é nada mais do que perniciosa e alarmante.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 1 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 3.5 |
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