Crítica

Caso você não desperte o passado, alguém o fará por você. Essa é a sensação de João ao receber o email de Candy. Moradora de Macau, a velha amiga necessita de ajuda;  ajuda que somente poderia vir das mãos do protagonista.

João vive em Lisboa, mas parte de sua infância pertence à ex-colônia portuguesa. O chamado da amiga o leva a rumar em direção ao oriente, pois os caminhos legítimos são insuspeitados. A percepção adulta, porém, é implacável. As lembranças faziam parte do menino que agora enxerga a realidade de cima, junto ao ressoar das experiências que a tudo impregnam. Não à toa Macau pareceu-lhe uma metrópole fria e distante. Por certo, pois já não havia nada de seu na cidade; nada além de Candy.

No decorrer do seu desenvolver, A última vez que vi Macau coloca em curso uma trama híbrida. Há elementos de ação – salvar a vida de Candy – de suspense – não saber ao certo o que a ameaça – e de documentário – algo rememorativo, algo de homenagem. A direção assinada em conjunto por João Rodrigues e João da Mata (este morou em Macau) consegue compor um gênero de características particulares, com um resultado positivo a ultrapassar o próprio conteúdo.

É bem possível que a primeira impressão aproxime o filme do estranhamento do ótimo Encontros e Desencontros (2003). As coincidências estão aí para serem encontradas: a cidade desconhecida, a potência sugestiva das luzes noturnas, o idioma impenetrável, etc.  Aos poucos, porém, surge a personalidade que é tão marcante de a A última...: a presença da ausência. A ausência inicial será a do próprio protagonista. O sujeito que acompanhamos durante 85 minutos jamais mostrará a face. De uma só vez, seremos íntimos e estranhos, ou como aquele que se envergonha ao compartilhar um segredo, uma fraqueza. Íntimos e estranhos, também, como a própria cidade de Macau é para o João adulto. A câmera fria e distante atua de forma igualmente peculiar. O quadro registra menos o presente do que o presente enquanto memória. São frames e quadros que seriam secundários em um filme convencional, mas que aqui se tornam tributos ao lembrar, vago, impreciso, muitas vezes completamente corruptível e artificial. O espectador atento perceberá ecos da obra de Alain Resnais, especialmente Hiroshima meu amor (1959) e O ano passado em Marienbad (1961).

Em um dos primeiros momentos do protagonista em Macau, é preciso conseguir informação sobre onde fica determinada rua. As tentativas são todas em vão. João percebe, então que os quatro séculos de colonização portuguesa não significaram nada. Melhor: significaram muito, mas que significar muito não garante permanência. Compatriotas abriram ruas e deram nomes a colégios, lojas e praças. Contudo, mesmo o que é mais importante, o que parece estar seguro pelo concreto e pelas vigas se esvai com o tempo. O que resta não é um busto ou a memória – deturpadora infame – mas o significado daquilo que se quer manter.

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