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Sinopse

A Única Mulher na Orquestra celebra a contrabaixista Orin O'Brien. Nascida em Los Angeles, Califórnia, EUA, em 1935, ela foi a primeira mulher a integrar a Filarmônica de Nova York, em 1966, sob a direção do renomado maestro Leonard Bernstein. Indicado ao Oscar 2025.

Crítica

Indicado ao Oscar 2025 na categoria Melhor Documentário em Curta-metragem, A Única Mulher na Orquestra é um filme cinematograficamente simples, suscinto e que tem como missão principal a homenagem. Nele, a cineasta Molly O'Brien conta a história da sua tia Orin O'Brien, contrabaixista norte-americana notabilizada ao se tornar a primeira mulher da Filarmônica de Nova Iorque nos anos 1960, assim ingressando numa instituição masculina e, naturalmente, quebrando seus paradigmas. Admirada pelo maestro Leonard Bernstein, Orin é observada nos momentos que antecedem a sua aposentadoria da Filarmônica depois de uma carreira de mais de 55 anos. O curta (na verdade, um média) é o retrato resumido e afetuoso das questões em torno dessa mulher que tem sérias restrições quando colocada num pedestal pela sobrinha. “Você está insinuando que sou maior do que realmente sou e isso me deixa desconfortável”, diz ela à realizadora que faz dessa produção uma oportunidade para declarar amor à tia admirável. Nos pouco mais de 30 minutos do filme, muitas coisas são trazidas à tona, quase nenhuma delas é aprofundada, mas ao menos ele funciona como gatilho para aguçar a curiosidade sobre Orin.

A Única Mulher na Orquestra faz um apanhado relativamente competente da vida e da obra de Orin O'Brien. Ele cita, por exemplo, as circunstâncias que fizeram a protagonista entrar para uma instituição então majoritariamente masculina, inclusive resgatando o discurso machista da imprensa que a reduzia à “musa que tem seus equipamentos carregados e para a qual os homens guardam lugar no ônibus”. Também passa pela relação que Orin tinha com a notoriedade de seus pais. Ela é filha dos atores George O'Brien e Marguerite Churchill, ou seja, foi obrigada a conviver desde muito cedo com a bagagem da popularidade associada à prática artística. Para efeito de perspectiva, George O'Brien foi um dos grandes astros hollywoodianos dos anos 1920 e 1930 – ele é o protagonista de O Cavalo de Ferro (1924) Aurora (1927) e figurou em mais de 80 filmes no total. Menos célebre, mas ainda assim bastante conhecida, a mãe de Orin também representava esse ideal de popularidade do qual ela sempre buscou se afastar. Molly O'Brien conta essa história de família com certo distanciamento, como se não dissesse respeito a ela própria, mas apenas à tia que se viu impelida a percorrer o caminho da música para se expressar.

O pouco tempo à disposição da cineasta impõe várias restrições automaticamente. É preciso ser consistente, mas não há espaço para muita informação; é fundamental não ser prolixo, mas também ir em busca de algo que anule a superficialidade; é essencial ter atenção aos detalhes, mas não há como desdobrar cada um deles sem a perda de uma noção mais geral. A Única Mulher na Orquestra conta resumidamente a história de Orin com competência e reverência, mais abrindo caminhos do que necessariamente percorrendo esses trajetos. Por exemplo, há certamente muito o que explorar da relação que Orin estabelece com a notoriedade e a arte a partir da sua vivência como filha de duas celebridades de Hollywood – sendo ao menos uma delas maiúscula, de parar o trânsito. A inserção da diretora como personagem poderia ser mais bem elaborada, até porque se escancara que a perspectiva do filme é “contaminada” por uma relação afetuosa prévia. No entanto, precisando “equilibrar pratos” para dar conta de tudo em pouco tempo, Molly acaba tendo de sacrificar as especificidades em função da abrangência. Como quando apenas pontua sobre o discurso machista da imprensa para demarcar obstáculos.

Certamente a indicação ao Oscar 2025 dará muito mais visibilidade ao curta-metragem A Única Mulher na Orquestra. Claro que também joga a favor disso o fato de ele estar disponível no catálogo da Netflix, ou seja, do maior serviço de streaming do mundo. Como obra fechada, tem qualidades e certas fragilidades, vide a fuga imediata das situações potencialmente interessantes pela necessidade (autoimposta) de cobrir uma área ampla da vida e da obra da protagonista. Não cabe ao crítico falar de um filme hipotético, do que ele seria caso alguma coisa estivesse diferente. Mas não é nenhum pecado a especulação. Assim sendo, podemos imaginar que cada assunto levantado pelo roteiro assinado por Molly pudesse gerar um curta próprio ou o segmento de um longa-metragem que tivesse mais instrumentos para retratar de modo abrangente e profundo a mulher notável que sente embaraço quando acusam sua excelência. Uma vez que Molly decidiu falar em primeira pessoa e estar diante da câmera, era de se esperar que tivesse um papel mais ativo na narrativa, não sendo apenas outra espectadora admirada que, curiosamente, enxerga a tia próxima e tudo mais que as interliga com certo distanciamento.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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