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Sinopse

Alice parece desfrutar de um casamento perfeito, com um marido que faz questão de demonstrar-lhe afeto constantemente. Porém, quando ela descobre que ele torrou o dinheiro do casal e a deixou sozinha, além de endividada, para cuidar do filho, se vê obrigada a lutar para sobreviver num mundo hostil, mas que lhe oferece possibilidades.

Crítica

Alice (Emilie Piponnier) tem um casamento aparentemente feliz. Seu marido, François (Martin Swabey), é um bom pai, romântico, além de supostamente diligente com a família. Inesperadamente, a convivência idílica e “perfeita” é abalada por verdades residentes abaixo da superfície. O cônjuge torrou o dinheiro do casal por conta do vício em prostitutas de luxo, deixando-a com uma dívida absurda que precisa ser sanada em pouco tempo. A curiosidade a leva a tentar entender o serviço ao qual ele recorria compulsivamente e, sem qualquer autocondenação moral (o que é ótimo), ela passa a dispor do próprio corpo a fim de sustentar o filho pequeno e evitar que o apartamento seja confiscado pelo banco credor. De certa forma, como bem entendemos no clímax de Alice: Uma Acompanhante Parisiense, ela está fazendo de tudo para manter o mais inalterada possível a sua rotina. Pontos positivos para a falta de uma progressão fundamentada na culpa por se prostituir. Isso já é um alento e tanto.

Alice não atravessa uma crise clássica de consciência, passando longe de colocar a capitalização do sexo como motivo de vergonha presente e/ou futura. Alice: Uma Acompanhante Parisiense mostra com naturalidade a atividade desempenhada com claudicâncias, mas não está preocupado em desenhar o drama a partir dela. O mais relevante é entender a jornada dessa mulher outrora acostumada com a rotina passiva, mas que experimenta uma liberdade tremenda ao desvencilhar-se dos problemas mais imediatos por força de sua iniciativa. A mercantilização do corpo, então, não é encarada como essencialmente problemática pela realizadora, sobretudo porque ela parte de uma vontade, ainda que engatilhada pela necessidade. Lisa (Chloé Boreham) diz com todas as letras “você pode recusar” quando a protagonista recebe o convite para entrar nesse mundo. Uma pena, no entanto, que o filme não se embrenhe nas complexidades de tudo o que dispõe na telona, apenas as sinalizando.

Uma vez entendida que a existência de Alice, na companhia da amiga, é menos asfixiante do que o casamento em que pretensamente estava protegida pelo guarda-chuva masculino – e tal compreensão se dá rapidamente –, a cineasta Josephine Mackerras não demonstra muito repertório para aprofundar-se nos temas. Desse modo, permanece reafirmando a importância da emancipação, investindo em cenas com teor meramente pitoresco, como os encontros de Alice com os clientes abastados que desembolsam quantias enormes para noites de massagem, sexo e/ou jantares privativos. Há uma idealização dessa clientela “selecionada”, pois todos que aparecem na trama são homens de bons modos, no máximo com alguma tara específica. O fato deles terem dinheiro e serem sofisticados é construído como consequência de suas contas bancárias. Aliás, essa romantização, que acaba se espraiando a outras esferas, é responsável pelo enfraquecimento das abordagens.

Emilie Piponnier é o destaque de Alice: Uma Acompanhante Parisiense, especialmente em virtude da forma como desenha a personagem estupefata pela traição e, adiante, aguerrida o suficiente para encarar o que for a fim de garantir conforto ao filho pequeno. De determinado ponto do enredo em diante, Josephine Mackerras se contenta com um jogo frágil de nervos entre marido e esposa, fazendo dele um homem que oscila violentamente entre a passividade contrita e a agressividade do macho ferido diretamente no ego. Já ela agarra a oportunidade de entender-se para além daquela relação, usufruindo de seus resquícios para continuar labutando com aquilo que lhe sustenta. Nesse panorama, Lisa funciona como a mentora clássica, aquela que fornece informações valiosas pelo mundo da prostituição, que provê os ensinamentos. Quando estes não são mais imperativos, ela acaba perdendo vitalidade enquanto figura dramática, além de acenar a lugares-comuns. Já Alice vai ao encontro das lições, rumo ao clímax que evita tocar em outras possibilidades relacionais, senão muito sutilmente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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