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Crítica


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Sinopse

Sherlock Holmes e seu ajudante Watson investigam o assassinato de um sujeito. Pela primeira vez na vida, o grande detetive se apaixona e justamente pela viúva. Mas, o caso começa a ficar mais complicado do que parecia inicialmente.

Crítica

Se todo filme é uma promessa, este de Billy Wilder é uma especialmente ousada. A proposta, traçada desde o título, é a de retratar os meandros da personalidade do mais conhecido investigador da literatura policial. Reconhecido pela astúcia, pelo raciocínio preciso e o domínio de uma gama de técnicas de luta, o que falta em Holmes – e exatamente por isso nos atrai tanto – são seus gostos, suas particularidades. Queremos saber em que falha aquele que sempre vence. Para desvendar a kriptonita por trás da capa e chapéu ingleses, a United Artists estava certa de que não havia alguém mais adequado do que Wilder. Hábil contador de histórias e dotado do raro talento para perceber diálogos memoráveis – assim como o idealizador do detetive, Arthur Conan Doyle –, ainda contava a favor do diretor austríaco o conhecimento – e desprezo – do mundo aristocrático, ambiente ao qual pertencem os personagens principais.

Escrito conjuntamente com o seu tradicional colaborador I.A.L Diamond (Quanto Mais Quente Melhor, 1959, Se Meu Apartamento Falasse, 1960, Irma La Douce, 1963), o projeto foi desenhado para ser o grande marco da carreira do diretor, ocupando-o com inúmeras versões de roteiro e em filmagens que levaram mais de seis meses. A versão original do filme tinha em torno de 210 minutos e revelava a intimidade do protagonista enquanto a narrativa transcorria para a resolução de quatro casos. Contudo, os produtores, desconfiando do sucesso comercial – com certa razão –, podaram severamente o filme. As duas horas com as quais nos deparamos em A Vida Íntima de Sherlock Holmes (1970) são os escombros da expectativa, um retalho grosseiro do que fora arquitetado. O narrador do início se apresenta como o Dr. Watson, médico, amigo fiel e principal responsável por relatar os casos e aventuras do detetive. Foi para depois de passados vários anos da sua morte, nos conta Watson, que ele permitiu a abertura de um baú com a história que conheceremos no filme. Em um recurso que recupera o de Crepúsculo dos Deuses (1950), quando o narrador nos fala em off desde a sua morte, somos levados a esperar por uma história que não acontecerá. Ou, no máximo, acontecerá parcialmente, no primeiro ato.

Entendemos qual a proposta original do roteiro de Wilder na sequencia sensacional de Holmes com uma famosa dançarina russa. Ela o quer para pai dos seus filhos. O convite, feito à moda russa, estabelece um momento único no filme. Descontraída, inteligente e refinada, a cena nos leva a colocar a lupa de Holmes sobre ele próprio. Com o rompimento desta estratégia, o pouco que temos é um detetive pego em cenas menos humoradas do que desnecessárias, como no caso da banheira minúscula em que se banha um homem de quase 1m90cm, marcado pelo talento para o violino e para a cocaína. O que surpreende, porém, é o fato do enredo se deixar seduzir e incorporar com convicção no núcleo da narrativa um caso a ser solucionado por Holmes, tornando-o quase um pastiche literário. No centro do mistério, uma mulher que chega ao famoso 221b da Baker Street pelas mãos de um homem que a salvou do Tâmisa. Ela, Gabrielle Valladon (Geneviève Page), é uma belga a procura do marido. Se em um primeiro momento o filme se manteve estável, é a partir do avanço do núcleo de Page, encarregado de levar-nos a pequenos mistérios esdrúxulos, que o filme se enfraquece e perde a coesão. Coesão que, no fundo, jamais teve, exceto nos primeiros minutos.

A dificuldade de contar a história e, ainda, a falha ao não contá-la como prometido – ou adulterá-la a ponto de parecer frívola e desnecessária – devem ser os motivos principais que legaram o trabalho ao quase esquecimento. Raramente alguém o menciona, muito menos com entusiasmo. Entretanto, apesar dos problemas evidentes, o filme se sustenta em um conjunto de bons momentos. Robert Stephens e Colin Blakely, Holmes e Watson, formam uma dupla muito afinada a compor uma mise-en-scène impressionante, fluida, natural e impactante, como poucas vezes encontramos. Acompanha-os no mesmo nível a trilha potente da Orquestra Filarmônica Real conduzida por Miklos Rozsa, responsável pelo tom suntuoso do filme. Mesmo descaracterizado, A Vida Íntima de Sherlock Holmes consegue divertir e entreter – como os produtores queriam – à espera do seu verdadeiro final.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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