Crítica
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Sinopse
O passar dos anos é impiedoso para todos. Sete personagens aparentemente comuns conduzem suas vidas buscando, cada um, aquilo que acredita lhe trazer satisfação pessoal. Mas, mesmo com vidas distintas e distantes, eles se aproximam pela maneira como orientam suas existências com base em preocupações mundanas.
Crítica
“Não existe amor em SP”, canta Criolo na canção que faz parte da trilha sonora de A Voz do Silêncio, terceiro longa-metragem assinado por André Ristum. Pois é justamente isso que o diretor tenta contradizer durante os pouco mais de noventa minutos do seu filme. O projeto é ambicioso: são nada menos do que nove personagens interligados fragilmente entre si, uns mais próximos, outros sem nem ao menos se cruzarem. Como em qualquer obra coral, essa aqui não é diferente: as tramas são irregulares, umas mais profundas, mas a maioria nem tanto, ainda que pertinentes o suficiente para manterem a atenção do espectador até o final. E mesmo que esse resvale num sentimentalismo um pouco forçado em muitas das suas passagens, se vendo diante de um resultado que peca pelo desequilíbrio, o todo convence, fazendo valer o esforço dos envolvidos – em ambos os lados da tela.
A mãe passa seus dias trancada dentro de casa, sem ânimo nem mesmo para ir a um médico para verificar a ferida que carrega no meio da perna. A filha ganha a vida fazendo strip-tease em uma boate decadente, quando seu sonho mesmo era cantar. O filho foi embora, trabalha como atendente de telemarketing e manda postais para a família de diversos lugares do mundo, inventando uma fantasia que só a mais cega acreditaria. O pai trabalha numa rádio, relembrando antigos clássicos, enquanto está começando a esquecer do óbvio. Ao mesmo tempo, vai sendo esquecido, seja pela menina que não mais tem tempo para ele, ou pelo neto, que fará de tudo para não o perder da memória. Naquele prédio, trabalha como porteiro o homem que não desistiu. Na correria de um lado para outro, está sempre atrasado – tanto no horário, como na própria idade. A dupla jornada segue até à noite, se virando como sushiman, tendo que lidar com o patrão grosseiro e com clientes solitários da madrugada, como as filhas da mãe e do pai.
O mergulho a que Ristum se propõe é amplo, e assim se justifica pela abrangência dos temas abordados. Do evangelismo televisivo à homofobia social, de patrões abusivos ao envelhecimento nas grandes cidades, da luta para escapar da periferia à prostituição. Tudo está sempre a um passo do exagero, mas o realizador está empenhado em manter os limites impostos. Como elo de ligação, há aquele que poderíamos apontar como vilão – ainda que mesmo essa máscara não lhe sirva por muito tempo. É quem tenta extorquir trabalhadores e despejar velhas senhoras, é quem abusa do mísero poder que acredita ter e não deixa passar um rabo de saia sem dar em cima. O preço que paga por isso, por outro lado, responde pelo momento que mais resvala no excesso: é tão alto que mesmo a redenção que nele provoca termina por soar catártica demais, como um trovão que muito barulho faz por um segundo, mas pouca repercussão provoca nos instantes seguintes.
Um cenário como o que aqui encontramos só poderia se manter em pé, mais do que por uma visão forte nos bastidores, pela excelência daqueles escolhidos para defendê-lo. Se fosse necessário apontar apenas um destaque, render-se ao óbvio se faz preciso: Marieta Severo, quase sem se mover entre dois ou três ambientes, contracenando com um número mínimo de colegas e carregando o inferno particular que em si encerra apenas nos olhos, impressiona acima de qualquer um. Mas ela não é única, e tanto Claudio Jaborandy, bravo na pele daquele que pode perder tudo, menos a honra, ou o argentino Ricardo Merkin, excelente ao oferecer brilho ao indivíduo que aos poucos está se apagando, também merecem olhares mais atentos. Por outro lado, Arlindo Lopes transita perigosamente por redundâncias pouco justificadas, dando a entender que o seu problema é muito maior do que o dos outros – uma visão não apenas ostensiva, mas também preconceituosa – enquanto que Marat Descartes, um ator que geralmente aposta na intensidade, tenta sair da sua zona de conforto ao criar um predador que não parece se encaixar bem no seu perfil. Empenhos válidos, mas nem sempre alcançados.
O que todos querem em A Voz do Silêncio, mais do que se encontrar, é voltarem aos braços uns dos outros. O sentimento, como se percebe, existe, mas parece perdido, desorientado. Por isso, talvez, tenha chegado o momento mais de se deixar levar, ao som dos ritmos que estão por aí, nas ruas e nas mentes, por todos os lados. A sequência de abertura, que expõe uma verdadeira sinfonia dos sentidos, abre caminho para estas possibilidades, mesmo que não sejam perseguidas na sua totalidade por toda a extensão da história que aqui está sendo contada. De boas ideias, André Ristum não parece sentir falta. Basta mostrar como melhor usá-las a seu favor e, mais do que isso, não desistir delas no primeiro ou segundo desvio. Afinal, os tropeços estão aí não para derrubar, mas para oferecer um novo impulso àqueles que não se dão por vencidos. É assim na ficção, que se repita também nos bastidores.
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