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Sinopse

Em Abá e sua Banda, um jovem príncipe entra em conflito com seus sonhos e responsabilidades. Depois de romper com seu pai, segue para o Festival de Música e descobre os planos de seu tio para acabar com a diversidade de Pomar. Exibido no 52° Festival de Cinema de Gramado (2024).

Crítica

Animação brasileira ambientada num reino de frutas com características humanas, Abá e Sua Banda recicla vários elementos conhecidos de outras produções para criar uma aventura infanto-juvenil com bem-vindas mensagens subliminares. O protagonista é Abá, jovem príncipe de um império em crise por conta da tristeza permanente do rei. Embora o cineasta Humberto Avelar mostre apenas superficialmente a gradual transformação de Pomar num lugar insalubre para boa parte da população, vemos súditos descontentes com os rumos políticos do território abandonado pelo rei melancólico desde que a sua esposa morreu durante a maior festa local. Nesse cenário, Abá é o típico herdeiro que não quer se sentar no trono e colocar a coroa, especialmente porque tem o sonho de ser músico. Portanto, esse rapaz que se disfarça para sair do castelo em busca de plateias na rua tem duas coisas no sangue: o direito ao reinado (do pai) e a musicalidade (da mãe), optando pela última, mas sabendo que mais cedo ou mais tarde deverá prestar contas a quem espera dele liderança. Já vimos inúmeras vezes essa situação de um personagem que não pretende seguir o destino traçado pelos pais – nem sempre é sobre monarquia, às vezes essa dinâmica mostra, por exemplo, alguém que não está disposto a assumir a empresa da família porque tem outros planos. Desse modo, temos um modelo muito utilizado.

Há quem goste de eleger a originalidade como um elemento fundamental para termos grandes experiências no cinema, na TV, no teatro e na literatura. Deixando um pouco de lado a própria discussão a respeito de “o que é original?”, recomenda-se perceber que nem sempre repetir clássicos é um problema, do contrário ninguém mais recorreria às peças de William Shakespeare. Voltar a algo significa, em tese, tentar agregar ingredientes próprios ao caldeirão de um prato comprovadamente saboroso. Sendo assim, o que Abá e Sua Banda acrescenta a esse tipo de filme em que um rebelde herdeiro precisa provar aos seus pais/chefes que tem capacidade de seguir um caminho próprio? Não muita coisa, na verdade, a não ser o bonito e colorido visual de um mundo formado por frutas. Abá é exatamente como qualquer um desses personagens inconformados que o precederam. Como se trata de um filme feito com o intuito de atingir prioritariamente o público infanto-infantil, até mesmo a rebeldia do príncipe é calculada para não parecer “ofensiva” demais às autoridades. De todo modo, assim como o bom e velho Hamlet da peça homônima do bardo William Shakespeare, ele mal sabe que está no centro de um plano do mal bolado por seu tio Don Coco, o ladino que conspira contra o reino para assumir o trono. O abacaxi adolescente contará com seu amigo Juca (um caju) e Ana (uma banana) na aventura.

O roteiro de Abá e Sua Banda é um grande mix de itens, temas e situações utilizados um tanto à exaustão antes. Além do príncipe pouco disposto a assumir o seu lugar no império, há o conspirador com jeito de vilão macabro; o fiel escudeiro que serve de escada, suporte emocional e voz da consciência; o interesse amoroso que apresenta ao protagonista a beleza da verdade (se bem que o filme faz questão de tornar mínimos os indícios de paixão); a figura sábia que ilumina os caminhos dos heróis com atitudes e palavras proféticas; um plano maligno a ser frustrado; uma comunidade que sofre por conta dos rumos políticos ditados pelos poderosos; a revolta dos marginalizados. Falando assim pode parecer que o longa-metragem animado é sério, que tem uma abordagem sisuda de tudo isso. Mas não é nem um pouco assim. Aliás, mesmo sabendo das adequações normais para agradar um público de faixa etária entre a infância e a pré-adolescência, é de se lamentar que a trama sempre recue estrategicamente quando poderia abordar um pouco mais seriamente os assuntos. Vide quando Abá é descoberto como príncipe disfarçado pela indignada Ana. Até mesmo por conta da utilização dos clichês como dispositivo para identificação rápida da plateia, é de se esperar que haja uma tensão mais duradoura entre eles antes da reconciliação. Aqui o clichê seria coerente. Mas o filme somente segue em frente.

Abá e Sua Banda parece um pouco envergonhado (ou seria receoso?) de abraçar com veemência os discursos ecológicos e favoráveis à diversidade. Abá descobre que o tio Coco está destruindo o reino por baixo dos panos a fim de colocar o rei na mira da população indignada e ter menos resistência quando der um golpe. Em meio a isso, Coco gera um exército de frutas brutamontes que são todas rigorosamente iguais (ele chega a dizer que odeia a variedade do reino). Assim, o filme se comunica com o nosso tempo atual, especialmente ao colocar como vilão um crápula semelhante aos políticos que criminalizam a diversidade e pregam a homogeneização como forma de estabilidade social. Don Coco chega a falar de um reino padronizado e disciplinado, com isso se aproximando simbolicamente das falas de alguns (infelizmente) líderes na realidade. A importância das abelhas e dos povos originários (aqui representados por jaboticabas) também está presente nessa insurreição contra o mal. E isso dá à animação uma série de possibilidades metafóricas. No entanto, os roteiristas César Coelho, Daniel Fraiha, Sílvia Fraiha e Sylvio Gonçalves não permitem que essa defesa do meio ambiente e da multiplicidade assuma o protagonismo, sempre colocando frei nos dois em prol de uma ação mais comprometida com a aventura simplista. Ainda assim, nesse mix de clichês e temas poucos elaborados, há qualidades.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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