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Sinopse

Dedicado policial que trabalha no transporte de presos, Martin sofre uma emboscada exercendo a sua função. Ele precisará de toda habilidade e experiência para lidar com os bandidos de dentro e fora do veículo.

Crítica

A catarse final e a subversão das leis por força da identificação com o agressor são elementos que fariam sentido – e teriam mais impacto emocional – se o cineasta Lluís Quílez desse atenção ao protagonista. Martin (Javier Gutiérrez) é um policial encarregado de fazer o transporte de prisioneiros, cujas periculosidades são variáveis, na companhia de um colega menos ético, por assim dizer. Ele segue protocolos e repreende quando Montesinos (Isak Férriz) abusa da autoridade. Isto posto, não há um desenvolvimento consistente o suficiente para que saibamos, por exemplo, quais os limites dessa convicção, ou seja, até que ponto ele realmente estava disposto a ir para evitar que as normas fossem quebradas. Abaixo de Zero começa desenhando resumida e eficientemente a personalidade dos sujeitos a serem transferidos para outra penitenciária. Há o malandro, o estelionatário, o brucutu que faz parte de uma gangue, o jovem de comportamento imprevisível e por aí vai. Boa parte da primeira metade do filme é ambientada num espaço estreito, especificamente no corredor que separa os dois conjuntos de pequenas solitárias instalados no ônibus blindado utilizado para o serviço.

Diferentemente de William Friedkin no excepcional O Comboio do Medo (1977) – e a comparação vem pelo fato de em ambos haver um translado de conteúdo espontaneamente perigoso –, Lluís Quílez não sublinha com intensidade o perigo do espaço. Tendo à disposição a paisagem nevada (aproveitada adiante), que poderia fornecer uma experiência natural de hostilidade, ele prefere criar uma situação visualmente própria àqueles filmes de horror com um pé na autoparódia. Além de absolutamente deserto, o cenário é escuro e envolto numa névoa artificial supostamente encarregada de aumentar a apreensão. Alternada com essa tentativa de mostrar a atmosfera exterior psicologicamente adversa, a lógica interior é atravessada por várias pequenas tentativas dos encarcerados no sentido de ludibriar os carcereiros. Entretanto, nada que gere tanta tensão. Esta apenas se instaura tão logo um ataque vindo de uma fonte desconhecida ameace todos, mas nem assim borrando as fronteiras entre apenados e homens da lei. Porém, a dúvida é bem trabalhada e rende bons frutos.

Abaixo de Zero expõe rapidamente sua aderência a uma estrutura convencional, com personagens acumulados apenas para adiante quase todos morrerem aos poucos. De determinado ponto à frente, é previsível que os homens com menos subjetividade trabalhada serão, um a um, eliminados da trama para, pretensamente, criar uma noção de inevitabilidade. Martin se ocupa basicamente de sobreviver, sofrendo o pão que o diabo amassou na companhia de oponentes que também se sentem comprometidos por alguém desconhecido. À medida que as motivações do invasor misterioso se esclarecem, o realizador estica certas dinâmicas, vide a tola “ressurreição” do sujeito que viria a morrer imediatamente depois, mas não sem antes propiciar uma perseguição automobilística beirando o gratuito. Em meio a isso, o protagonista não se revela (permanecendo superficial) a partir dos dilemas diante dos quais é colocado, o que esvazia o impacto da sua brutal reação derradeira. A virada de chave que o leva a agir contra a ineficiência da justiça não é impactante por causa disso.

Se até ali tivéssemos visto um homem disposto às últimas consequências pela ética, a inversão de perspectivas poderia ser potente. Caso a identificação com o atacante não fosse gerada por uma simetria banal (apenas por ser pai de filhas mulheres), o resultado igualmente tenderia a ser melhor. Mas, Abaixo de Zero, apesar de ter ritmo, de possuir cenas bem dirigidas e não ser cansativo, toma vários caminhos fáceis, como o famigerado “monólogo do vilão” e a descoberta de documentos deixados para trás, ferramentas pura e simplesmente explicativas. Vibrante nos breves instantes do ônibus parado, na iminência da ameaça desconhecida romper a blindagem e fazer vítimas indiscriminadamente, o filme se contenta em ser genérico. Já na maior parte do trajeto, são frágeis as tentativas de gerar expectativa, sobretudo porque Lluís Quílez telegrafa excessivamente os movimentos, nem abraçando com gosto o lugar-comum enquanto aliado, tampouco oferendo a ele algo de revitalizante. Era para ser uma trama de perder o fôlego. Faltou densidade e vigor para atingir esse resultado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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