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Sinopse

Um menino de 12 anos mora no Brooklyn, Nova York, com a mãe judia, de origem israelense, e o pai palestino, de origem muçulmana. O jovem, aprendiz de um chef de cozinha brasileiro, ama gastronomia e tenta usar desse dom para manter as duas famílias unidas.

Crítica

O jovem Abe (Noah Schnapp) poderia ser a representação de um adolescente comum, mas ele constitui, acima de tudo, um exemplo, um estudo de caso. O garoto possui parte da família muçulmana, e parte judia, de modo que as reuniões com os avós sempre giram em torno do conflito Israel-Palestina. Ele sofre bullying na escola por gostar muito de cozinhar, mas aparentemente, não a ponto de deixá-lo triste nem impedir que seja convidado às festas, além de ser relativamente popular nas redes sociais. Abe se vê responsabilizado por solucionar, ao menos simbolicamente, as diferenças entre culturas e países inimigos, através de sua paixão pela comida. Os tradicionais clichês relacionados ao alimento enquanto remédio para acalmar os corações e unir as pessoas são empregados sem moderação neste projeto.

O elemento mais importante para o diretor Fernando Grostein Andrade é manter o filme dentro das rédeas do feel good movie o que, em tempos de Internet, significa uma narrativa veloz, colorida, marcada por posts, tweets, telas de celular, mapas virtuais e muita, muita música. É curioso o medo de uma geração de diretores em relação ao silêncio, visto como elemento de desconforto: é preciso divertir, entreter a qualquer instante, seja nos momentos felizes, seja nas cenas tristes. Busca-se fazer rir numa cena e chorar na seguinte, sem jamais refletir a fundo sobre esta conexão emocional. De que maneira o espectador pode se questionar sobre esta configuração familiar única diante da enxurrada de pratos preparados, artigos de jornais e caminhadas de Abe sorridente pelas ruas da cidade?

O cineasta paulista leva à trama americana uma visão um tanto arcaica da cordialidade brasileira: o cozinheiro profissional interpretado por Seu Jorge corresponde à visão do malandro muito amigável, disposto a receber qualquer um em sua cozinha, enquanto aproveita a presença de Abe para tirar o lixo e lavar os pratos. A ideia do Brasil enquanto país da miscigenação gentil, onde todas as culturas se encontram com um sorriso no rosto, já constituiu uma idealização aceitável algumas décadas atrás, mas em pleno século XXI, num produto feito para exportação, soa como uma redução da nossa complexidade sociocultural. Além disso, outra questão incomoda bastante: o fato de estes personagens negros e nordestinos existirem apenas dentro da cozinha, sem qualquer vida pessoal, tendo sua função reduzida à necessidade de ajudar o garoto branco de classe média em sua jornada de amadurecimento.

Em termos imagéticos, o filme apaixonado por culinária faz escolhas curiosas de fotografia e enquadramento. Ao contrário da habitual tendência a ressaltar cores e texturas de alimentos, a direção de fotografia trabalha com tons lavados, de pouca saturação, enquanto a montagem nunca deixa o tempo necessário para visualizar a culinária enquanto processo de aprendizado análogo à descoberta de Abe sobre a vida adulta. A comédia dramática privilegia as divisões lúdicas da tela, escrevendo a palavra “doce” com mel ou “salgado” com produtos salgados. Este nível de literalidade afeta também as conversas dentro de casa, quando planos de conjunto da família são apenas alterados por recortes nos rostos exatos da mãe, do pai ou do filho, conforme conversam. Mais do que uma cartilha clássica, este é um menu bastante frágil em termos de linguagem cinematográfica, algo que o filme pretende relevar em função de suas boas intenções – conferir autonomia ao protagonista através da vocação à culinária e resolver as brigas em família, além de impedir o divórcio entre os pais (ou, por analogia, o divórcio entre Israel e Palestina).

Não há dúvidas sobre ao olhar afetuoso do cineasta aos personagens, aos Estados Unidos, ao Brasil. Seu Jorge desempenha com grande desenvoltura o sujeito amigável, enquanto Noah Schnapp tem força no olhar e vigor de sobra para encarnar o protagonista adolescente. O cineasta promove mais um filme de conciliação entre as diferenças por meio do afeto, como tantas obras recentes (Green Book: O Guia, 2018, Histórias Cruzadas, 2011), acusadas de ingenuidade. Aqui, ele reúne muçulmanos e judeus, brasileiros e norte-americanos, brancos e negros, homens e mulheres, por meio da comida e da força de vontade. Este pode não ser um olhar particularmente complexo à realidade de qualquer um dos grupos retratados, mas deve agradar a quem espera do tecido social uma representação otimista, menos preocupada com as ferramentas para solucionar o problema do que com a certeza de que, eventualmente, tudo há de se arranjar.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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