Uma Vida Sem Ele
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Laurent Larivière
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A Propos de Joan
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2022
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França / Alemanha / Irlanda
Crítica
Leitores
Sinopse
Joan Verra já passou dos 50 anos de idade. A famosa editora literária começa a revelar alguns segredos da juventude e da maturidade: o término trágico do relacionamento com o único homem que amou, o instante em que o filho pequeno quase morreu num acidente, e a descoberta sobre um segredo profundo de sua mãe.
Crítica
É difícil dizer que tipo de filme Uma Vida Sem Ele (2021) pretende ser, e com quem gostaria de se comunicar. A cena de abertura, quando a protagonista (Isabelle Huppert) se vira ao espectador e apresenta a si mesma, lembra um dispositivo farsesco, assumidamente teatral. A música de suspense e o dispositivo do carro sob a chuva aludem ao suspense, algo corroborado pela trilha sonora de tensão. No entanto, ela logo menciona uma lembrança imaginária, que nunca teria ocorrido de fato. A partir deste momento, somos levados a questionar a credibilidade da narradora. O dispositivo se aproxima então da brincadeira, ou pelo menos do jogo cênico. Mais alguns minutos se passam, e descobrimos um flashback da juventude, em registro bastante tradicional, para justificar o encontro da menina com seu primeiro e grande amor. Os atores escolhidos para viver Doug na infância e na fase adulta são completamente diferentes (Stanley Townsend e Eanna Hardwicke), sinal de que o diretor Laurent Larivière pretende deixar o naturalismo em segundo lugar. Seguem-se inserções de melodrama, erotismo, comédia pastelão e fantasia. Joan converte-se, aos poucos, na coadjuvante do projeto que porta seu nome. É evidente que os criadores estão muito mais interessados na possibilidade de brincar entre registros do que em construir uma personagem complexa ou marcante.
Em termos estruturais, o resultado se revela um grande caos. Todos os caminhos apontados internamente seriam frutíferos, caso o roteiro se ativesse a um deles e aprofundasse as potencialidades de cada linguagem. A comédia surrealista, predominante nos segmentos envolvendo Lars Eidinger no papel de um escritor excêntrico, renderia um singelo romance escapista. A subtrama da mãe de sexualidade livre, imaginando-se penetrada pelos tentáculos de um polvo, também se prestaria a um estudo curioso da sexualidade feminina. A relação com o filho adulto (Swann Arlaud), que sobreviveu a um grave acidente durante a infância, aproxima a heroína de um aspecto dramático. Em contrapartida, estas figuras anexas a Joan flutuam sem deixar marcas na narrativa, nem na personagem central. O filho Nathan surge para introduzir o dispositivo da piscina de leite (e dá-lhe sonho com Isabelle Huppert nadando numa tigela gigante); enquanto Doug ressurge para que o público acredite, pelo menos temporariamente, se encontrar diante de um romance tradicional (e dá-lhe abraço apertado num café pela cidade). Aqui, são os conflitos que vêm até Joan, na forma de cartas com revelações secretas ou diários da juventude encontrados pela casa. Ela apenas espera, passeia de um cômodo ao outro, gerenciando os dilemas aportados por terceiros. No fundo, esta editora literária (que aparenta ter um único escritor em sua empresa) não toma nenhuma iniciativa ao longo da história.
Tamanha opacidade dificulta a tarefa de se identificar com esta figura, torcer por ela, ou temer pelas resoluções com o filho. Isabelle Huppert encarna Joan no piloto automático, com certa arrogância misturada a uma aparência displicente. Ela sustenta os tiques nos lábios, frequentes nos últimos anos, além da postura corporal projetada à frente, como se quisesse escutar melhor seus interlocutores. A grande atriz possui versatilidade de sobra para interpretar todos os subgêneros internos, tornando-se verossímil durante o enterro e na sequência cômica da discoteca com o filho. Entretanto, a mulher soa dispensável à própria história: é triste perceber que Joan não faria tanta falta à jornada se fosse retirada de cena. Rumo à conclusão, o roteiro começa a enveredar assumidamente pela fantasia, seja quando a editora acorda no jardim (lembrando a princesa de um conto de fadas), seja na última encarada silenciosa à câmera. O texto começa a revelar semelhanças com as aventuras surrealistas de Jean-Claude Carrière, exímio roteirista capaz de inserir o absurdo dentro de um universo banal. Infelizmente, a trama se encerra antes que os trechos dispersos adquiram um sentido em conjunto. Ficam patentes os motores novelescos que fazem avançar a aventura: nascimentos e mortes, reencontros com amantes do passado e despedidas de pessoas queridas.
Por fim, Uma Vida Sem Ele remete a uma traquinagem despretensiosa a respeito dos potenciais da linguagem cinematográfica. O pressuposto do “retrato de uma mulher” se converte em mera desculpa — uma costura artificial para permitir o exagero tragicômico da descoberta da gravidez na prisão, ou da humilhação durante um programa de televisão. Larivière aparenta ter filmado um punhado de cenas independentes que lhe vieram à mente algum dia, e que guardava para a oportunidade adequada. Ele poderia ter assumido a estrutura episódica, ou então compreendido a maneira como os saltos de tom parecem se anular, depondo uns contra os outros. O filme resulta numa experiência singular, sem dúvida, e para quem busca no cinema sobretudo a originalidade e a tomada de riscos, terá encontrado um produto recompensador. No entanto, aos espectadores interessados em coerência, coesão, e um discurso potente acerca da sociedade retratada (ou pelo menos a delineação de uma protagonista verossímil), a viagem soa frustrante. Nem as cores, os enquadramentos, o estilo das cenas, o uso de som ou montagem oferecem alguma ruptura estimulante com os códigos conhecidos. Os produtores aparentam levar às salas de cinema um primeiro tratamento do roteiro, ou o brainstorming animado de uma sala de roteiristas empolgados demais com a possibilidade de ter Isabelle Huppert à frente da trama.
Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2022.
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Tenho a impressão que vimos filmes diferentes. De fato procurar coesão e coerência lineares num filme que tem como foco a dor, a fantasia, a morte, a memória e o amor, ao mesmo tempo e o tempo todo, é pedir demais. O filme é maravilhoso, mas precisa de outro tipo de crítica. Saudações.
Pelo visto o crítico assistiu ao filme muito distraído ou interessado demais na forma, pois não se atentou que o filho de fato morreu no acidente e todas as vivências com a mãe em diferentes etapas foi uma grande ilusão vivida pela mãe, dai o titulo minha vida sem ele , sem o filho que perdeu em um afogamento quando era muito jovem. Sem esse entendimento as peças não se encaixam e o sentido do filme fica prejudicado!!!!!! Final emocionante !!!!
Brilhante crítica. poderia ter comentado algo sobre a entrevista do escritor e sua temática sombria, recheada de exageros emocionais plácidamente observados por um entrevistador que de tão frio chega a ser surreal e cômico.