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Sinopse

Há exatos 29 anos, alguém acendeu a chama que ressuscitou as irmãs Sanderson, elas que estavam adormecidas desde o século 17. Dessa vez, três adolescentes juntam forças para impedir que elas causem mais estragos.

Crítica

Não são raros os casos de atores que afirmam se interessar mais pelos papeis de vilões do que em dar vida aos mocinhos da história. Afinal, se esses, geralmente, aparecem como os protagonistas, são os seus oponentes os que mais se divertem, que se permitem explorar excessos e contradições, que costumam mergulhar com maior intensidade nos conflitos e traumas que os movem. Isso, claro, desde que se mantenham do lado de lá do espelho, como um contraponto, nunca assumindo maiores interesses. Como exemplo, basta ver o que foi feito com figuras como Malévola, Venom ou Morbius, que apesar de terem primeiro aparecido como inimigos em suas origens, passaram a se comportar como “tipos incompreendidos que, no fundo, possuem um bom coração”, ao contrário de levarem suas vilanias até às últimas consequências. Por se manter firme a esse viés, portanto, Abracadabra 2 já desperta curiosidade. Afinal, tudo se passa a partir dos eventos empreendidos por três bruxas orgulhosas de suas condições, e que em momento algum se mostram arrependidas do que fazem ou representam. Mas há mais, justificando não apenas essa sequência tardia, como também a empolgação por novos desdobramentos futuros.

Lançado há quase trinta anos, Abracadabra (1993) não foi um sucesso de bilheteria (arrecadou US$ 45 milhões, frente aos US$ 28 milhões de investimento) e muito menos de crítica (tem 6,9 de avaliação no IMDb, 39% de aprovação no Rotten Tomatoes e 43/100 no Metacritic). No entanto, com o passar dos anos e a redescoberta do filme por novas gerações, na televisão ou pela internet, a comédia sobrenatural aos poucos foi se tornando uma obra de culto, admirada e defendida por seguidores seletos, porém intensos. A própria Bette Midler, que há muito não tem um sucesso na tela grande (desde os anos 1980, para ser mais exato), afirma ter se espantado com o status que o filme adquiriu com o tempo. E se em anos mais recentes muito se falou em um remake ou spin-off com outros tipos a partir do mesmo universo, apenas para aproveitar esse insuspeito fenômeno cultural, é com alegria que se verificou não apenas o abandono dessas intenções, mas a retomada da proposta no seu formato mais óbvio: uma continuação. Servindo não apenas para agradar os antigos seguidores, mas também como porta de entrada para uma nova legião de fãs.

Assim como no anterior, Abracadabra 2 também resgata as irmãs Sanderson – Winifred (Midler, completamente à vontade, deixando claro ser a que mais está se divertindo com a reunião), Sarah (Sarah Jessica Parker, indo além do estereótipo da “loira burra” do trio) e Mary (Kathy Najimy, que emagreceu e parece estar em busca de outra característica física marcante, como as caretas de “boca torta” que faz do início ao fim) – de séculos atrás para a atualidade. O choque cultural é imediato: elas não fazem ideia do que seriam produtos de beleza, se encantam com luzes fluorescentes, se assustam com auxiliares eletrônicos caseiros e são enganadas mais de uma vez pelos próprios adolescentes que deveriam estar caçando. O ritmo da ação, como se percebe, é próximo do infantil – não há perigo “real” em cena, por mais que as bruxas revividas a todo instante repitam intenções em “sugar as almas de garotas virgens” ou pela participação de um morto-vivo descabeçado (que, no entanto, faz questão de afirmar ser um “zumbi do bem”).

Se, ao menos, a diretora Anne Fletcher – que acertou em cheio com A Proposta (2009), mas nos últimos tempos tem passado mais tempo envolvida com séries que investem no melodrama, como Love, Victor (2020) e This Is Us (2019-2021) – evita o equívoco de fazer das bruxas as heroínas da trama, por outro lado não consegue deixar de inserir outras figuras para assumir esse lugar: as adolescentes Becca (Whitney Peak, da nova versão de Gossip Girl, 2021), Izzy (Belissa Escobedo, vista em American Horror Stories, 2021) e Cassie (Lilia Buckingham, que estreou em um episódio de Modern Family, 2012, e desde então não havia feito mais nada digno de nota). Há um esforço de costurar um tecido dramático entre as três – amigas de infância, agora, aos 16, uma delas se tornou popular e acabou se afastando das demais, que seguem atentas aos estudos místicos – mas ninguém parece realmente interessado nisso – nem os personagens, muito menos a plateia. Assim, após um prólogo temporal que revela como as Sanderson se tornaram as figuras poderosas capazes resistir ao tempo e espaço, eis que aquelas aos quais todos os olhos se dirigem finalmente entram em cena, dominando as atenções sem grandes sacrifícios. É por Midler, Parker e Najimy que Abracadabra 2 existe, e ninguém tenta disfarçar essa verdade.

Servindo também como medidor de temperatura – não se comenta oficialmente, mas além das protagonistas já terem se manifestado a favor de uma trilogia, o próprio desfecho dessa segunda aventura oferece um belo gancho para outra sequência – e popularidade, o certo é que essa é uma empreitada de sucesso – apesar de não ter ganho as telas dos cinemas, se tornou a produção original mais assistida da plataforma de streaming Disney+ poucas horas após o seu lançamento – confirmando a expectativa que havia em torno do projeto. Feito por mulheres em frente e atrás das câmeras (a história é da roteirista Jen D’Angelo, que aqui estreia em um longa-metragem), não se limita apenas ao espectro feminista do público, oferecendo ação – e surpresas – para todos os tipos de espectadores. Entre números musicais – a versão The Witches are Back merece aplausos à parte por revigorar um clássico – bem pontuados e intérpretes comprometidos com a ideia de entreter sem subestimar a audiência, tem-se um conjunto capaz de fazer frente ao seu antecessor – um feito que merece reconhecimento. E que não se espere por mais 29 anos pela terceira parte!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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