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Sinopse

Duas famílias no interior do sertão brasileiro, vive uma rixa antiga. Tonho, porém, pretende dar fim a essa tradição de sangue, principalmente agora que está apaixonado.

Crítica

O que fazer quando não se consegue mais enxergar a luz que há no fim do túnel? Quando não se encontra mais esperanças, que tudo parece ser finito, acabado, passado? Como seguir em frente sem se questionar, sem lutar? O que fazer quando o homem vira um boi, um animal, que apenas age, seguindo seu destino, sem usufruir nada de sua razão? Temas universais e profundos estão presentes em Abril Despedaçado, de Walter Salles. Ao se assistir a este belo filme, é preciso deixar-se entregar por uma bela e poética obra. A temática abordada, a direção segura e precisa, o elenco afinado, a música envolvente, a fotografia deslumbrante. A tela transpira paixão e sonho.

O painel é abrangente e, por isso mesmo, deprimente. Tudo está ali, mas aos pedaços, destruído. É preciso encontrar forças para juntar essas histórias, esses sonhos. Mas por onde começar? Tonho (Rodrigo Santoro) não questiona, cumpre o que lhe é ordenado. Essa obediência não é apenas educação, é uma atitude servil histórica, que vem desde seus mais remotos antepassados. É o peso de uma tradição de morte e sangue apoiada nas suas costas, e ele não pode nem ao menos se queixar. O motor contínuo de sua vida foi iniciado muito antes que ele próprio percebesse, e agora lhe cabe seguir passos determinados. Santoro se entrega de corpo e alma à história, esquecendo seu eu e afundando no personagem. Bonito, talentoso, jovem, ousado: não tem medo de arriscar sua imagem de galã. Assim ganha ele, em respeitabilidade e em experiência, e ganha também o espectador, pelo privilégio de desfrutar de tal competência.

Quando lhe é oferecido um descanso, o que encontra é um momento para suspirar, para respirar um pouco de ar puro, de vida. Serão 28 dias, em que cada segundo que passa será contado, mas não como geralmente acontece com garotos de 20 anos. "Um a menos, um a menos...", ao invés de "um a mais, um a mais". O tempo corre contra sua vontade, e ele sequer sabe o que fazer. Seus olhos estão mortos, procurando uma chama que os acendam. É um vislumbre de uma outra realidade, a do possível, aquela além das convenções sociais e familiares. Uma história composta de silêncios, levando o espectador para dentro da trama, convidando-o a refletir também sobre o que é exposto, pregando cada imagem no fundo de nossas mentes. Como retratos antigos nas paredes de uma casa que luta para manter a antiga glória. Fortes e intocáveis, portas abertas para a compreensão da realidade que hoje se desfruta.

Um dia uma sereia aparece, no meio do sertão, e com seu canto onírico e seus olhos azuis hipnóticos, transforma o mundo do rapaz. Onde estava escuro, agora há luz. Tudo que lhe foi reservado, irá desfrutar durante essas poucas semanas que restam. É chegada a redenção? Não, é apenas um intervalo, pois a honra fala mais alto, e o que é dito deve ser cumprido. Mas até que ponto? Acima de tudo, Abril Despedaçado é a confirmação do talento criativo de Salles. Transformar um livro caudaloso e fragmentado, como a obra de Ismail Kadaré na qual o longa se baseia, em algo tão encantador e envolvente, mantendo seu estilo e originalidade, sem resvalar na pieguice, é uma tarefa para poucos. E ele consegue, com louvor.

Olhos. Os do pai, que observa de modo digno e severo. Os da mãe, que a tudo vê com medo e resignação. Os da moça, azuis, luminosos e apaixonados. Os do próprio Tonho, perdidos, calados e angustiados. E, principalmente, os de um menino que vê no curso do irmão seu próprio futuro, mas que acredita, que ainda tem esperança, amor, fé. São olhos perdidos por todos os lados, buscando uma opção, uma saída, uma união. Olhos forçados até o limite. A partir daí, cabe a cada um desenhar sua própria trajetória. Os valores imortais já não valem mais. Abril Despedaçado é para ser apreciado com atenção, lentamente, sem atropelos nem conceitos pré-concebidos. Absorvendo cada imagem, frase e ponto de vista. E no final, ao ser arrebatado por uma mensagem forte, verifica-se que cada pedaço revelado desde o início faz sentido. É uma jornada dolorida, mas gratificante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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