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Crítica


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Sinopse

Através de inúmeras entrevistas, entrevistas de arquivo e performances dos artistas presentes no documentário, este é um retrato aprofundando sobre os processos de libertação e de conquistas de independência do movimento gay no Brasil.

Crítica

Udylê Procópio transita com seu corpo esguio por entre as paredes de um ambiente abandonado, ainda que carente de vida. O artista, através do seu movimento, exercita uma performance em homenagem à Madame Satã, o malandro, travesti, pobre, negro e boêmio que marcou a cena noturna e marginal na primeira metade do século XX no Rio de Janeiro. O ícone serve também como porta de entrada para Abrindo o Armário, documentário do diretor e roteirista Dario Menezes, feito em parceria com Luis Abramo. Para quem não está ligando os nomes às pessoas, o primeiro é jornalista e ficou conhecido ao integrar o grupo Dzi Croquettes durante os anos 1980. Já o segundo foi fotógrafo de filmes como Meu Nome é Jacque (2016), que também abordava a questão LGBT. Portanto, é notório que conhecimento de causa ambos tinham de sobra. No entanto, ao invés de apenas exporem essas experiências, ostentando conhecimento, optam por um caminho diverso, apostando mais nos sentimentos do que nos fatos. E tal escolha se revela acertada na medida em que entrega algo ao mesmo tempo singelo e universal.

No decorrer de menos de uma hora e meia, somos apresentados a dezesseis histórias de vida. São pessoas, homens, que relatam o que passaram e ainda passam por causa de suas orientações sexuais. E que fique bem claro: não estamos falando de gostos, cores e amores: o foco, aqui, é mais íntimo, e está direcionado a quem cada um destes indivíduos é de fato. Dos 20 e poucos aos mais de 60 anos de idade, são jornadas específicas, ainda que possíveis de serem multiplicadas por milhões. O grupo, assim, revela-se diverso, pois cada um que surge em cena representa outros tantos. Estão falando de si. Mas, ao mesmo tempo, abrangem um continente maior, dando voz, através da oportunidade que aqui se apresenta, a tantos outros que se imaginavam em silêncio.

Do garoto que foi expulso de casa pelo pai ao senhor que viajou o mundo para poder se encontrar, cada um surge como uma peça de um grande quebra-cabeças. Dario e Luis elaboram um intrincado jogo de montagem, expondo estas conversas sem pressa, nem atropelos. O resultado é interessante. Não se torna pesado, com blocos de conversas redundantes. Pelo contrário, cada decisão parece ser colocada no local mais apropriado, combinando diálogos e depoimentos de acordo com as temáticas propostas. E essa colcha de retalhos vai do passado ao presente, mostrando que se é evidente que muito melhorou com o passar dos anos, outro tanto ainda carece de atenção e cuidado. Os problemas também se modificam, assim como a forma como aqueles diretamente afetados vão lidando de acordo com as suas condições. Abrindo o Armário é mais do que apenas destravar portas. É, sim, sobre escancará-las, não apenas permitindo que aqueles de dentro vislumbrem um mundo maior lá fora, mas que os que estão distantes também possam se aproximar e verificar que as coisas não são tão diferentes assim.

Artur ficou traumatizado por sua primeira relação sexual. Bayard estava à frente do próprio tempo. Evandro precisou deixar de ser quem imaginava para, enfim, ser ele de verdade. Fabiano gosta de homens e mulheres, sem nunca rejeitar a palavra ‘gay’. Gabriel tem milhares lhe apoiando, no virtual e também nas ruas. Gilberto acredita que ser homossexual é apenas mais uma característica, e não algo determinante, enquanto que Rodrigo vê mais semelhanças do que diferenças. João tem lutado há anos, ao passo que Luiz Carlos decidiu, enfim, descansar ao lado de um só. Liin encontrou na música a expressão de quem é, e Jup quer ser tudo – homem, mulher, unhas pintadas, barba – sem aceitar definições pré-concebidas. Marlon já apanhou, e não vai deixar que isso aconteça de novo. Sergio vê a noite como uma festa, Ulisses vê o mundo ao seu alcance. Cada um com um olhar. Todos mais próximos do que imaginam.

Mais do que uma jornada pela realidade LGBTQI+ de ontem e hoje, Abrindo o Armário é, principalmente, um painel sobre o que é ser homossexual. E ainda que o título possa soar reducionista – afinal, não basta apenas abrir, é preciso ir além, deixando-o para trás e enfrentando o mundo novo que se abre diante de cada um – ganha novos ares pela forma elegante como é apresentado aos espectadores. Um filme urgente, ainda que não chegue a soar datado – e, imagina-se, é pouco provável que tal impressão se modifique com o passar do tempo. Dario Menezes e Luis Abramo talvez pudessem ter ousado mais – há poucos debates, restringindo-se, basicamente, às vontades dos depoentes – ou mesmo mergulhado mais fundo nessa proposta – onde estão as mulheres? Quem sabe, esse seja apenas o começo, e futuros desdobramentos possam abraçar tais ideias. Afinal, é assim que se faz: um passo de cada vez.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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