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Sinopse

Uma equipe de filmagens começa a acompanhar um ladrão e serial killer chamado Ben. No entanto, à medida em que vai cometendo seus atos criminosos, ele envolve toda a equipe nessa trama de sangue, tornando-os seus cúmplices.

Crítica

Nos primeiros minutos, já somos apresentados ao protagonista duvidoso. Sem rodeios, ele estrangula uma mulher num trem. Porém, não é uma situação isolada. Ben (Benoît Poelvoorde) é ladrão e serial killer. Na verdade, seus roubos são apenas desculpas para uma verve assassina. Ele realmente gosta de matar. Não importa a idade. Crianças, adultos, idosos. O sexo, a raça. Ainda que seu ódio por mulheres, gays, negros e estrangeiros seja latente. É uma figura terrível, mas magnética, que prende a atenção do espectador. E esse é o grande chamariz de Aconteceu Perto da sua Casa, filme de Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde que chamou tanto a atenção no Festival de Cannes de 1992 que acabou levando dois prêmios para casa. Méritos não faltam, ainda que sua ideia pareça ser mais interessante do que a concepção.

É uma história polêmica: um grupo de cineastas resolve documentar o dia a dia do protagonista. Especialmente seus atos criminosos, sem envolver-se com as ações criminosas do rapaz. Polícia? Nem pensar. O negócio é o registro, sem ligar-se emocionalmente. Tratar o objeto de estudo como algo distante, por mais perto que se esteja dele. Só que o distanciamento (se é que ele poderia ocorrer em algum momento) logo se torna pior ainda, quando os próprios envolvidos nas filmagens participam de atos violentos, como o estupro de uma mulher. E mais: ajudam as esconder esse e outros corpos. É uma discussão de 1992, mas que permanece. A espetacularização da violência e a criação de falsos ídolos pela mídia. Fosse realizado hoje, o filme poderia até se encaixar num episódio de Black Mirror, tamanho o paralelo desse mundo cruel com um futuro que não está distante. Ele acontece a todo o momento, independentemente de tecnologias.

O longa foi escrito a oito mãos (inclusive de Poelvoorde que, além de atuar e roteirizar, o codirigiu). Talvez esse excesso de cabeças pensantes tenha tornado a produção dissonante em vários momentos. Por mais que haja unidade a partir da história principal, esse mockumentary volta e meia acaba atirando em vários alvos sem aprofundar-se em todos. A fotografia em preto e branco, que muito quer homenagear Jean-Luc Godard, em diversos momentos, acaba carregando um excesso de estilo que atrapalha o próprio roteiro. O legítimo caso em que a estética se torna plástica, por mais que o discurso ainda seja válido.

O que segura o espectador é Ben, alguém tão complexo quanto satírico. Sua inteligência e gostos requintados por música, cinema e artes em geral acabam sendo contrastes quase ilógicos com tamanho preconceito e rancor que ele carrega por qualquer pessoa diferente. Ele é frio, mas eloquente. Um apaixonado que não se mostra tão obcecado pelo crime até o vermos colocar as mãos em alguém. É nesse momento que seu frenesi se revela. É um arquétipo que encontra ecos em personagens dissimulados e perturbados da filmografia de Alfred Hitchcock (como o Tio Charlie de A Sombra de Uma Dúvida, 1943), o que causa uma impressionante aproximação com o público. Talvez pelo niilismo, pelo fato de sermos atraídos por algo totalmente destituído de valores éticos e morais, por mais que muitos de nós nunca tenhamos vontade de cometer algum crime.

Mais impressionante seria se todo o elenco de apoio tivesse tamanha profundidade. A hipocrisia dos documentaristas se torna tão nojenta quanto as próprias ideias de Ben. É como se aqueles diretores usassem o assassino para poder dar forma aos seus desejos macabros, da pior forma. A técnica de Aconteceu Perto da sua Casa, no entanto, realmente parece ser a de um documentário como qualquer outro, o que dá grandes créditos à produção. Seu humor corrosivo nunca parece leviano. Ele apenas retrata a psicopatia de alguém tão perturbado, porém o criticando, nunca aliviando seus pensamentos fora do padrão. Um longa difícil, mas tão interessante de assistir, especialmente quando se trata de analisar até que ponto o ser humano pode ir em busca de seus prazeres mais primários.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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