float(117) float(33) float(3.5)

Crítica


5

Leitores


33 votos 7

Onde Assistir

Sinopse

Lisa tem 17 anos, e pensa em tirar a própria vida. Nesta noite, ela é sequestrada e passa a lutar pela sobrevivência. A inteligente garota consegue explorar as fraquezas do criminoso para escapar, mas quando volta para casa, ninguém acredita em sua história — excepto por um detetive.

Crítica

Os primeiros 20 minutos de Acredite em Mim: A História de Lisa McVey são um teste de nervos para os predispostos à empatia. Isso porque durante esse tempo vemos a protagonista interpretada por Katie Douglas sendo torturada. Um homem a estupra repetidamente depois de sequestra-la. Essa reiteração da violência é uma questão que deve ser ponderada, pois até que ponto é necessário vermos o corpo franzino da menina sendo brutalizado à exaustão? Ainda que o cineasta Jim Donovan tenha o cuidado de não expor a atriz, de evitar ângulos que a vulnerabilizem, é inevitável ser tão detalhista nessa descrição dolorosa? A resposta tem menos a ver com o ato espúrio do sequestro/estupro do que com a própria meticulosidade da vítima (útil à frente). Sim, pois estamos diante de um filme baseado em fatos, no qual o grande pulo do gato é a capacidade de Lisa de memorizar detalhes e planejar estratégias de sobrevivência mesmo em situações de perigo extremo à sua integridade física e emocional. Portanto, esse passo a passo do roteiro é, em parte, justificado pela lógica apresentada mais adiante rumo à captura do vilão. É essencial testemunhar Lisa montando o plano em meio ao desespero extremo. A justificativa é que, futuramente, precisamos compreender a sua ajuda fundamental na caçada, não partindo de conveniências e coincidências para transformar essa jovem numa heroína improvável.

Pena que, nessa trajetória de construção da tenacidade de Lisa, o realizador deixe passar boas oportunidades para tornar as abordagens mais consistentes e profundas. Ainda durante o período de cárcere privado da protagonista, os flashbacks desvendam o básico do seu histórico familiar. Violentada pelo marido da avó com quem mora, Lisa é assim uma sobrevivente de vários e sistemáticos abusos. Portanto, o sofrimento não lhe é novidade. Some a isso a indiferença da mãe ao saber a notícia de seu desaparecimento e temos um panorama mais dramático. Então, podemos imaginar que parte da sagacidade da adolescente diante do algoz misógino tem a ver com as estratégias criadas para sobreviver ao cenário doméstico árido e cheio de violências. No entanto, Jim Donovan não mergulha nessa compreensão da natureza forte de Lisa a partir da armadura forjada para continuar existindo num meio atormentador. Da mesma maneira, Donovan não utiliza a disposição suicida da menina – que antecede o sequestro – para investigar realmente o estado debilitado de sua saúde mental. Sendo assim, o histórico de brutalidades domésticas e o consequente ímpeto suicida são utilizados apenas como meros atributos do contexto. Trocando em miúdos: eles servem bem mais ao desenho do painel de bestialidade e abandono que emoldura essa jovem do que para investigar a sua personalidade.

Outro desperdício lamentável de Acredite em Mim: A História de Lisa McVey é algo que poderia conferir densidade à discussão social: o descrédito da vítima mulher. Sim, pois quando Lisa finalmente consegue se desvencilhar do algoz, ela encara não apenas a indiferença da avó e da mãe (donas de perfis parecidos), mas também a dúvida dos policiais (inclusive a das detetives de plantão). Novamente, Jim Donovan poderia ter utilizado isso para gerar uma reflexão sobre certa continuidade na violência contra as mulheres, já que ao conseguirem sobreviver elas geralmente precisam se provar dignas da confiança alheia. É justamente isso o que acontece com Lisa, uma menina silenciada durante anos e que encontra pouco acolhimento quando consegue finalmente sobreviver. No entanto, o cineasta passa meio batido por essa leitura, não se demorando nessa dinâmica logo substituída pelo respaldo oferecido por um dos chefes do departamento contra crimes de ordem sexual. Larry (David James Elliott) é encarado como o sujeito que vai, simultaneamente, crer nas palavras da vítima ainda fragilizada e, com isso, dar andamento à investigação que pode levar à resolução de uma série de crimes que aconteceram recentemente nas redondezas. A partir da entrada desse homem nobre em cena, é como se ele e Lisa formassem a parceria essencial para, finalmente, os males serem extintos.

Acredite em Mim: A História de Lisa McVey tem poucas ambições para além do “contar bem a história”. A boa interpretação de Katie Douglas como Lisa evita que o filme siga demasiadamente a sua vocação pelo simplismo. A atriz oscila bem entre os instantes de vulnerabilidade e aqueles nos quais a coragem parece desproporcional à pouca idade e ao corpo franzino. Mas, a trama se desenrola de maneira morna. Nela, são evidentes e claros tanto os vilões quanto os mocinhos, ou seja, não há ambiguidades circulando nesse universo. Jim Donovan poderia enfatizar a capacidade dedutiva da protagonista levada por circunstâncias anteriores a estar preparada sempre para o pior; também tinha espaço para equilibrar melhor o drama pessoal da menina apresentada desde cedo às tragédias e a tensão inerente às buscas pelo criminoso; ele igualmente poderia ter tornado mais relevante o vínculo de Lisa com a irmã, mas prefere transformar a outra garota somente numa sofredora que pouco pode fazer à distância; por fim, acrescentaria muito ao resultado se trabalhasse as entrelinhas e a moldura social por trás dos gestos e das respostas (misoginia, machismo estrutural, fragilização feminina, estrutura policial, etc.). O filme se atém bem mais aos fatos, ao que aconteceu, e menos às questões que inevitavelmente os permeiam. Assim sendo, privilegia os relatos à provocação de reflexões do espectador.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *