Crítica
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Sinopse
Crítica
A primeira sequência de Açúcar impressiona pela beleza plástica e a potência simbólica. Um barco à vela (vermelha encarnada) atravessa um canavial da Zona da Mata, conduzindo a protagonista, Maria Bethânia (Maeve Jinkings), de volta à casa grande do engenho Wanderley, propriedade de sua família, num clima onírico. O cenário carcomido pelo tempo, tornado obsoleto e absolutamente anacrônico por sua estrutura interna, representa a falência, melhor dizendo, a obsolescência de uma forma de ver o mundo. Enquanto tira a poeira de objetos antigos, a mulher tenta silenciosamente conectar-se novamente com o local bastante modificado, mas que tem gosto de infância e tradição. Ao largo, há um centro cultural capitaneado por negros outrora empregados da fazenda ou descendente deles, atualmente donos de fatias do terreno, empenhados em transmitir uma herança cultural historicamente abafada pela sanha violenta do homem branco. A presença de Bethânia é um ruído, uma tentativa de retomar o poder.
Há indícios de mistério, como a aparição desfocada de algo que parece humano, mas se movimenta exatamente como animal. Os cineastas Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira conseguem construir essa atmosfera que transpira uma ancestralidade opressora. Bethânia buscar reestabelecer a autoridade de seu sobrenome, tratando de apequenar a personagem interpretada por Dandara de Morais, questionando sua personalidade – confundida sintomaticamente com impertinência –, quase a obrigando a aceitar determinadas dinâmicas de trabalho, como que para mostrar quem realmente manda no recinto. Zé Maria Pescador vive um jovem, de idade semelhante a da protagonista, o líder dos vizinhos vistos como inimigos, que batucam até mais tarde e jogam capoeira para preservar a sua identidade como povo. Contrapondo os anseios praticamente coronelistas da protagonista, ele representa a resistência do negro, histórica e territorialmente falando. Esse embate funciona muito bem.
Todavia, Açúcar se ressente da falta de uma conjunção mais expressiva de elementos a partir de dado momento, mais especificamente assim que a protagonista tem seus planos colapsados em virtude das circunstâncias. Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira não conseguem desenvolver a questão racial para além dos caminhos aos quais os apontamentos iniciais levam. A entrada em cena de Magali Biff, como a madrinha saudosa dos velhos tempos, apenas amplifica a visão etnocêntrica dos Wanderley, expondo a rivalidade sussurrada por ambos os lados um pouco antes. Porém, quando o delirante retorna com força total, o longa-metragem perde substância, resumindo-se a fragmentos bem construídos cinematograficamente, mas histriônicos o suficiente para resvalar na banalidade. Maeve Jinkings carrega boa parte do filme, pois seu semblante se deixa atravessar por reações capitais, pela energia dispendida para reivindicar o retorno a uma era de desmandos e de dor.
Certas passagens de Açúcar são inconsistentes e, portanto, enfraquecem o conjunto. Maria Betânia diz-se a própria terra, certamente evocando um passado de fartura aos habitantes da casa grande, mas sem um contra discurso para potencializa-lo. A única escora, no que tange a esse traço da personagem, é a masturbação, com a terra sendo utilizada na qualidade de instrumento ao gozo, numa fusão para gerar contentamento fugaz. O principal acerto do filme é a relação estabelecida entre os cenários naturais e a protagonista. Dessa sensível mescla nascem sequências bastante bonitas. Contudo, o desenvolvimento dessa fábula ambientada na Zona da Mata é combalido por um excesso flagrante de simbolismos indomados. Não fosse a balbúrdia ocasionada pela sucessão contraproducente de confusões entre o literal e o metafórico, e Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira alcançariam voos ainda maiores. Mesmo fragilizada, sobretudo em seu claudicante terço final, a produção ressoa bem.
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