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Sinopse

Roy McBride é um astronauta que sempre viveu à sombra do pai. Este também se aventurava pelas estrelas e ficou conhecido por desaparecer após uma viagem espacial. Quando um colapso de energia na Terra indica possíveis sobrecargas vindas de outro planeta, Roy é convocado para retraçar os passos do pai.

Crítica

No papel, este projeto poderia se prestar a uma ficção científica hollywoodiana convencional, repleta de cenas empolgantes com explosões e reviravoltas. Afinal, existem planos arriscados para salvar o mundo, ameaças interplanetárias de todos os gêneros, fugas improváveis de última hora, descobertas surpreendentes sobre entes queridos, além de astronautas se arriscando na Terra, no espaço e mesmo debaixo d’água. Mesmo assim, Ad Astra: Rumo às Estrelas jamais dissipa a sensação de ser um filme melancólico, intimista – um épico triste.

Essa sensação decorre das escolhas do diretor James Gray, que faz o possível para evitar as ferramentas do cinema-espetáculo. Inicialmente, ele escolhe um protagonista tão fascinante quanto opaco: Roy McBride (Brad Pitt), um astronauta respeitado, porém vivendo à sombra do pai (Tommy Lee Jones), também astronauta, e veterano das forças norte-americanas. Roy é o homem que passa por todas as avaliações técnicas e psicológicas com facilidade, o tipo que enfrenta uma urgência sem os batimentos cardíacos ultrapassarem 70 bpm. Trata-se de um exemplo de eficiência, aliada entretanto à timidez, ao estilo reservado, à recusa de bancar o líder ou herói. “O meu pai foi um herói”, ele explica. O protagonista não possui um relacionamento amoroso, nem uma família presente, adotando a missão espacial como único e discreto motor de vida.

Por esta razão, diante de inúmeras adversidades na Terra, na Lua, em Marte ou outros planetas, Roy toma boas decisões, sem afobar. Nestes momentos, a montagem evita acelerar a cena, os enquadramentos não se aproximam dos rostos, não sugerem pavor, não criam suspense. A magnífica trilha sonora privilegia a impressão etérea de deambulação, do deslocamento sem rumo, porém agradável, fluida, em contraste com o teor trágico das cenas. Enxergamos o mundo pelos olhos de um homem que parte dos críticos correu para descrever como “depressivo”, “autista” e equivalentes. Independente da exatidão do diagnóstico, o espectador presencia instantes de tensão sem tensão, munidos de uma beleza plástica invejável. Com a captação em película 35mm e uma fotografia primorosa, valorizando tanto o granulado da imagem quanto o caráter sombrio de Roy, o filme prefere sugerir que nosso astronauta, na verdade, se sente sozinho. Mesmo quando é atacado, traído, enganado, ele busca reatar algum laço emocional. Ou seja, os percalços no caminho não despertam grandes reações porque jamais constituem o foco do astronauta, nem o foco do filme.

Não por acaso, o homem silencioso é visto inicialmente através de um vidro, desfocado, levemente tremido, afetado pelos grãos da película, em postura cabisbaixa – o oposto do herói tradicional, que lidera uma equipe e dita exemplos aos demais, além de fornecer mensagens inspiradoras ao espectador. Ad Astra: Rumo às Estrelas é movido pelo diálogo interno de Roy, uma espécie de diário/confissão em off, no qual discorre sobre as saudades do pai que embarcou numa viagem rumo a Netuno e nunca mais voltou, sobre seu sentimento de não-pertencimento a lugar algum, e sobre a vontade ambígua de encontrar e nunca encontrar o pai. Ironicamente, esta grande produção atravessando vários planetas se resume à jornada simbólica de um filho para recuperar seu pai, apesar das nações, da tecnologia, da religião, do sentido de honra dos militares. É notável a escolha da narrativa em desprezar todas as grandes instituições para satisfazer os conflitos psicológicos de um único homem que ao mesmo tempo ama e odeia o pai, enxergando nele um modelo (profissional) e um anti-modelo (afetivo), uma figura que precisa, metaforicamente, eliminar para construir a si mesmo.

Brad Pitt está excepcional no papel. Para o ator acostumado a tantos personagens extrovertidos, de homens exageradamente belos, engraçados, temidos, fortes – enfim, após tantos papéis heroicos -, faltava se tornar o protagonista de uma gigantesca aventura íntima, uma jornada interestelar que parece ocorrer apenas dentro da sua cabeça, como se ninguém mais a percebesse. Ironicamente, Roy consegue efetuar parte considerável de sua jornada em segredo. Este projeto se assemelha mais ao road movie do caubói solitário percorrendo planícies desérticas do que a uma ficção científica através do espaço-tempo. Pitt, com a câmera colada ao rosto, entrega toda a variação emocional que um sujeito estoico como Roy poderia ter, e se delicia em levar a frieza do astronauta ao limite da explosão. A riqueza emocional do protagonista é tamanha que ele consegue preencher mesmo os inúmeros momentos de silêncio, graças à sensação de estranhamento que evita a monotonia.

Enquanto isso, James Gray faz questão de construir espaços singulares, distantes do imaginário cristalizado das naves e do espaço sideral. É fascinante o que o cineasta consegue propor em termos visuais (além de sonoros e cromáticos) para um bunker em Marte, em paralelo com a ótima ideia de que, se o ser humano colonizasse o planeta vermelho, não seria para preservá-lo, apenas para reproduzir nosso capitalismo voraz em novo terreno. A vida inteligente em outros planetas, afinal, se resumiria a nós mesmos, cada vez mais disseminados por todos os cantos da galáxia, reproduzindo os erros terráqueos em destinos inéditos. A noção de viajar ao infinito e se deparar com as mesmas referências carrega uma sensação de inércia fundamental para se compreender as decisões de Roy. Afinal, os dois homens que foram mais longe entre os humanos são aqueles que menos conseguiram se conectar com alguém, que menos encontraram alguma forma de satisfação. Existe uma mistura de sucesso e fracasso nessas empreitadas, tão parecidas e ironicamente opostas, de pai e filho.

Se existe um porém na magnífica viagem de Ad Astra: Rumo às Estrelas, ela se encontra na conclusão. Após deixar claro que o foco do filme está voltado à vida interna de Roy, com seus conflitos e sentimentos, os minutos finais recorrem a um procedimento tipicamente spielbergiano, e também comum nos filmes de Nolan: promover uma guinada ao otimismo, um retorno à fonte. Steven Spielberg sempre foi conhecido por esticar suas narrativas fantásticas uns 20 minutos além do final aparente, para garantir que o herói voltasse para casa, que tudo terminaria bem, através da reconciliação com o amor romântico e os valores familiares. Ora, após 110 minutos de belíssimo niilismo e existencialismo, James Gray adota uma conclusão desconectada desta trajetória, mais sorridente do que se previa, incluindo o tradicional aceno ao amor romântico para curar feridas abertas. É uma pena que o desfecho se torne mais convencional, depois de um percurso tão orgulhosamente desconectado das regras da indústria. Mesmo assim, o deslize não apaga as inúmeras qualidades de uma obra preciosa, capaz de articular tão bem o pessoal e o coletivo, o sentimento do indivíduo e o destino da galáxia.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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