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Sinopse

Adão Negro é uma entidade que há 5 mil anos recebeu os poderes ilimitados dos deuses egípcios. Depois de muito tempo, ele é finalmente libertado de sua tumba terrena e se dispõe a levar ao mundo o seu senso singular de justiça.

Crítica

Um plano ruim é melhor do que não ter plano nenhum”. Essa frase, repetida diversas vezes ao longo da trama de Adão Negro, parece ser um bom resumo das investidas da DC Comics em seu tão falado, porém pouco impressionante, Universo Cinematográfico Expandido. Depois dos incompreendidas investidas de Zack Snyder e a recepção frustrante de Liga da Justiça (2017) até os sucessos de público de Mulher-Maravilha (2017) e, principalmente, de Aquaman (2018), um dos poucos títulos a passar quase incólume por todo esse disse-me-disse – seja por não ter sido atacado pelos críticos, mas também pouco celebrado pelos fãs – foi Shazam! (2019), que optou por uma abordagem mais infantil e tendo no centro da ação um personagem não tão icônico quanto os seus colegas levados anteriormente às telas. Causa espanto, portanto, perceber que é justamente deste contexto que surge o anti-herói – alçado à condição de “campeão do seu povo” – interpretado por Dwayne Johnson. A impressão é de que esse estava com saudade de sua estreia como protagonista em O Escorpião Rei (2002), e que por isso tivesse encomendado um tipo bastante próximo deste seu velho conhecido, apenas para “não ficar de fora do bonde dos super-heróis”, que tem dominado Hollywood nos anos recentes. Ou seja, pode até ter o logo da DC nos créditos de abertura, mas que o espectador não se engane: esse é um típico filme do The Rock, tal qual tantos outros que o tornaram um dos astros mais populares destes tempos.

Pra começar, a dica é ficar atento ao nome do diretor Jaume Collet-Serra, que há pouco trabalhara com Johnson na aventura Jungle Cruise (2021), da Disney. Os dois se reencontram para um projeto que tem cara dos excessos de vinte, talvez trinta anos atrás, quando quanto mais fosse exposto em cena, mais fácil seria impressionar a audiência. Porém, cientes de que muito mudou desde então, eles não apenas abraçam o exagero, como fazem desse a diretriz de cada decisão, sem vergonha ou constrangimento. É tanta careta e explosão, a grande maioria sem motivo ou repercussão, que por pouco não se estabelece um concurso para descobrir quem é o mais canastrão do conjunto. The Rock, é claro, sai na frente, mas com colegas como Pierce Brosnan ou Noah Centineo no seu encalço, se percebe o quão acirrada pode ser essa disputa. Visto inicialmente como vilão (afinal, essa é sua origem nas histórias em quadrinhos), Adão Negro agora surge como uma figura incompreendida (percebe-se uma vibe à lá Malévola, 2014, que também deixou de ser má para ser vista como alguém levada a cometer atos condenáveis, ainda que dona de um bom coração). Provar seu valor, portanto, acaba sendo um dos seus objetivos secundários.

Isso porque, afinal, está se falando de um tipo que surge da vontade dos deuses, e, da mesma forma que esses, se vê quase acima do bem e do mal. Como os registros históricos o viam como uma ameaça, é assim que Amanda Waller (Viola Davis, garantindo sua saúde financeira) primeiro o define. E da mesma forma como lidou com o Esquadrão Suicida (seja no filme de 2016, como também no de 2021), trata logo de encomendar seu encarceramento. Para tanto é acionada a Sociedade da Justiça (uma versão comedida – e mais humilde – da Liga), liderada pelo Gavião Negro (Aldis Hodge, heroico na medida certa) e composta ainda pelo sábio Doutor Destino (Brosnan, divertindo-se com a fantasia) e pelos novatos Esmaga-Átomo (Centineo, que deveria funcionar como alívio cômico, mas é só atrapalhado) e Cyclone (Quintessa Swindell, de Viajantes: Instinto e Desejo, 2021). Porém, assim como em Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (2016), o embate entre eles é não mais do que mera distração (ou atalhos que levam a lugar nenhum). A Sociedade da Justiça não tem porque atacar Adão Negro, e nem esse possui motivos para se sentir ameaçado pelos outros. E quando, enfim, se veem diante de uma ameaça maior, será pela união de todos que encontrarão os meios para enfrentá-la.

O roteiro escrito a seis mãos por Adam Sztykiel (Rampage: Destruição Total, 2018), Rory Haines e Sohrab Noshirvani (dupla indicada ao Bafta por O Mauritano, 2021) combina um olhar que privilegia o espetáculo visual do primeiro com uma atenção étnica identificada com o trabalho dos outros dois. Isso fica evidente ao se dar conta que Adão Negro é fruto de uma mitologia específica, e é perante esse povo – e não frente a todo o planeta, como acontece com os Melhores do Mundo – que deve dar explicações, encontrando as razões para seguir com sua luta, mas também encarando com altivez a necessidade de cada batalha em que se envolve. Mesmo tendo se passado cinco milênios, quando acordado pela professora Adrianna (Sarah Shahi, da série Sex/Life, 2021-2022) e pelo filho dela (Bodhi Sabongui, de A Grande Luta, 2020), Adão se vê envolvido em um imbróglio que parece uma mistura dos argumentos das séries Os Anéis de Poder (2022) e A Casa do Dragão (2022): se pelo primeiro envolve a descoberta de um mineral místico de poderes sobrenaturais, pelo outro se tira a disputa por uma coroa que confere a quem a usa superpoderes, objeto de cobiça do mercenário vivido por Marwan Kenzari (o Jafar da versão live action de Aladdin, 2019). Eis, portanto, o verdadeiro inimigo contra qual deverão convergir, senão tarde, ao menos antes do que nunca.

Como uma verdadeira colcha de retalhos, Adão Negro é uma montanha-russa com tantos altos quanto baixos, que diverte de modo despreocupado os menos exigentes, assim como também deverá provocar algumas ondas de irritação entre os fãs mais atentos aos detalhes. E por trás dessa poeira de distração, o que resta é mesmo Dwayne Johnson, que agora tem um herói pra chamar de seu, a despeito da linha de feridos que deixa pelo caminho. Se alguns trataram de pular do barco sem grandes despedidas e outros nem chegaram a dizer a que vieram, resta ao menos a presença enérgica de Hodge, que esbanja vigor e carisma como um personagem clássico capaz de voos ainda maiores do que os vistos dessa vez. E quando a cena pós-crédito acaba provocando mais aplausos e gerando uma comoção até então não percebida na plateia, um sinal claro está sendo dado. Só não percebe quem não quiser.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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