Crítica
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Sinopse
Após descobrir a aposta de Hardin, Tessa se distancia por completo do homem por quem está apaixonada. Ela inicia um novo trabalho como editora de livros, e acredita ter deixado o passado para trás. No entanto, Hardin reaparece, destinado a provar que mudou desde a última vez em que se encontraram.
Crítica
É possível que o sucesso de 365 Dias (2020), da saga Cinquenta Tons de Cinza (2015 - 2018) e de Desejo Sombrio (2020 -) não ocorra apesar de suas contradições, e sim por causa delas. Por um lado, estes filmes focados no desejo sexual das mulheres permitem que elas sejam vistas como pessoas dotadas de pulsões, capazes de obter tanto prazer na cama quanto os homens. Em comparação com tantas histórias de amor onde casais se beijam e acordam cobertos até o pescoço no dia seguinte, isso parece um avanço. Por outro lado, estas são as mesmas produções que concebem o prazer feminino enquanto fetiche masculino, submisso às vontades dele. Anastasia Steele (Dakota Johnson), Laura (Anna Maria Sieklucka) e Alma Solares (Maite Perroni) extraem seu prazer da dominação física, simbólica e/ou financeira dos homens. Elas se interessam por sujeitos que a controlem, sobretudo seus chefes ou sequestradores. A saga After (2019 - 2020) reformula este princípio ao público teen. A virginal Tessa (Josephine Langford) se apaixona perdidamente por Hardin (Hero Fiennes Tiffin), um bad boy coberto de tatuagens, que abusa do álcool e trata mal suas parceiras. Sim, as mulheres têm todo o direito de desejarem a dominação enquanto fetiche, e optarem por relações do tipo. No entanto, de que forma o cinema poderia conceber uma libertação sexual sem as amarras de algemas, chicotes e gravatas executivas?
A imagem do sexo mantém um funcionamento semelhante entre os casos citados acima. Trata-se de obras obcecadas pela concretização do ato sexual: os amantes se desejam tanto que, em cada encontro elétrico e violento, sabemos que terminarão na cama. No entanto, os diretores fazem malabarismos impensáveis para esconderem o sexo assim que ele aparece. As cenas são curtas, em ângulos destinados a preservar a nudez dos atores, com a luz encobrindo partes íntimas e uma trilha pop eletrônica sugerindo o romantismo da sequência. After: Depois da Verdade (2020) se justifica pela promessa de sexo adolescente, apenas para frustrá-la em seguida: o sexo oral se interrompe devido a uma ligação telefônica; a masturbação mútua precisa ser contida por uma contagem regressiva (e interrompida pela montagem), a penetração ocorre quando ambos estão vestidos, com a câmera focada no rosto dos atores. Santa hipocrisia dos nossos tempos libidinais e conservadores: queremos sexo, pensamos nele o tempo inteiro, contanto que os participantes do ato permaneçam castos, sem se lambuzarem, sem suor, sem saliva nem sêmen. Que seja limpo, rápido e suma da minha vista o quanto antes. Criou-se a montagem do coito interrompido: tudo converge para o sexo que, ao final, praticamente inexiste. Os produtores investem na classificação etária proibida a menores de idade, sem explorar a liberdade que isso implicaria. Neste sentido, a representação da violência está muito mais desenvolvida no cinema comercial do que aquela do sexo.
O filme se revela tão fraco quanto os equivalentes, ainda que por motivos distintos. Este segundo filme da saga erótica se sobrepõe aos demais no que diz respeito à imagem da mulher: Tessa controla os rumos de sua vida e de seu corpo com maior autonomia do que aquela de Anastasia, Laura e Alma. After evita a romantização do relacionamento abusivo (como em Cinquenta Tons de Cinza) e a fetichização do estupro (em 365 Dias). Sim, a jovem volta aos braços de Hardin com facilidade espantosa. Entretanto, faz sexo quando quer, com suas regras. Ninguém controla seu dinheiro, não há contratos eróticos a assinar, e ela pode entrar e sair dos apartamentos quando bem entende. Há um aspecto mais libertador nesta jovem editora do que nas ingênuas submissas de outros livros. Em contrapartida, esta é provavelmente a produção mais fraca de todas. As falhas beiram o amadorismo: há incontáveis problemas de montagem e de continuidade, além de uma cena inteiramente dublada e fora de sincronia (devido a prováveis problemas na captação de som), uma iluminação absurda para sugerir chuvas e relâmpagos, fotomontagens risíveis dos personagens, duas quedas num ringue de patinação dignas de esquetes televisivas, e uma cena cômica da mãe dormindo no sofá.
O elenco também apresenta problemas. Josephine Langford possui todas as ferramentas necessárias para transitar entre o drama, a comédia, o romance e o erotismo. Ela trabalha de modo natural com diálogos, sem qualquer forma de desconforto ou vaidade. No entanto, Hero Fiennes Tiffin é fraquíssimo: incapaz de encontrar variações, o rapaz grita a todo momento, gesticula em excesso, escancara a boca em cada cena. Langford opera milagres nas cenas do casal, porém o colega não favorece o jogo cênico. Nos momentos em que Tessa interage apenas com Trevor (Dylan Sprouse) ou Trish (Louise Lombard), percebemos como o resultado poderia ser melhor com outra escolha para o papel masculino central. O jovem Hardin possui tamanhas limitações que sequer se impõe numa briga de duas mulheres por ele. Fica difícil imaginar que o rapaz seja tão inesquecível assim, ou ainda que faça “maravilhas com a boca”, conforme sugere Molly (Inana Sarkis). O rebelde se limita aos traumas de infância de ordem sexual, que justificam seu trato destrutivo com mulheres (exatamente como Christian Grey). Em After: Depois da Verdade, os papéis masculinos se simplificam de tal modo que Christian Vance (Charlie Weber) se torna um chefe ocupadíssimo que jamais vemos trabalhando, Trevor representa um gênio da economia cujos talentos nunca são postos em prática, e Landon (Shane Paul McGuie) tem acessos de fúria injustificáveis.
Tendo em mente o público-alvo desta obra, é possível que o resultado agrade os adolescentes e jovens adultos adeptos do livro de Ana Todd. Há sequências românticas suficientes, além de inúmeras reviravoltas para aproximar e afastar os personagens. O projeto sofre do mal dos “filmes do meio” em franquias: ele começa sem uma introdução, e se conclui sem terminar de fato, para deixar as portas abertas à terceira história. Os dilemas apresentados pelo diretor Roger Krumble soam tão exagerados em termos de tom (os socos, gritos, choro e sexo durante a festa de Ano Novo) quanto banais no que diz respeito à narrativa. Os motivos propostos para enfraquecer o relacionamento entre Tessa e Hardin soam frágeis para qualquer espectador acostumado a romances literários ou cinematográficos. O falso dilema do tipo “preciso me afastar de você porque te amo” ainda convencem alguém? Talvez o principal problema desta abordagem seja acreditar que este relacionamento banal constitua uma história de amor marcante. A próxima barreira para o cinema erótico, porém bem-comportado (também conhecido como mommy porn) seria a leveza. Os escritores e diretores poderiam imaginar um sexo leve, divertido e inconsequente, sem que os personagens estejam perdidamente apaixonados um pelo outro no dia seguinte? É possível criar uma imagem do sexo sem trilha sonora cafona (os acordes de “Christmas Tree” são hilários), sem chuva e trovões, nem câmera lenta? Vamos torcer pela chegada da heroína que faz sexo quando deseja, e no dia seguinte sequer pensa em ligar para o moço – foi apenas uma noite casual. Esta seria uma verdadeira forma de libertação.
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Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 3 |
Francisco Carbone | 1 |
MÉDIA | 2 |
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