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Crítica


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Sinopse

Enquanto prepara sua mudança para Seattle a fim de trabalhar no emprego de seus sonhos, Tessa precisa lidar com o ciúme e o comportamento imprevisível de seu namorado e os segredos familiares que vêm à tona.

Crítica

Em comparação com relacionamentos realistas, os conflitos de After: Depois do Desencontro (2021) soam insignificantes. Hardin (Hero Fiennes Tiffin) recebe a proposta de ocupar qualquer cargo desejado dentro de uma grande empresa, mas recusa a oferta porque não gostaria de se mudar para a cidade próxima. Ele tem um pesadelo onde a namorada Tessa (Josephine Langford) o trai, e depois disso, passa a ter acessos de raiva - embora o caso tenha se limitado, veja bem, a um sonho. O rapaz descobre um diário convenientemente deixado no apartamento, em uma caixa aberta, e se depara com a página onde a palavra “dor" está destacada - sinal de a moça sofreu nas mãos do menino rebelde. Nova crise pessoal. Tessa se muda para uma cidade a duas horas de distância, então o casal pena para manter o relacionamento, embora tenha tempo livre, carros para fazer a viagem, dinheiro para encher o tanque, e mansões onde ficar caso efetue o trajeto. Os dois lamentam sua triste sina a bordo de um iate luxuoso, numa cabana isolada com uma jacuzzi, e em festas chiques com tudo pago. A protagonista parte para Seattle no intuito de trabalhar e estudar, embora nunca a vejamos trabalhando, nem estudando. Hardin tampouco trabalha, estuda ou possui outras ocupações. O mesmo vale para os chefes deles, para os familiares e amigos. 

O romance transmite uma curiosa visão desta burguesia privilegiada e egocêntrica, preocupada apenas consigo e com seus amores. Ele me ama? Sempre me amou? Vai continuar me amando, se eu estiver na cidade vizinha? Poderá amar outra? O amor vai durar? O terceiro filme da saga adolescente constitui uma versão pós-moderna dos contos de fada, onde os objetivos da princesa estão direcionados somente à descoberta e manutenção do príncipe. Os castelos foram convertidos em mansões, e os cavalos, em carros de luxo. Ninguém tem contas para pagar, louça para lavar, vizinhos barulhentos - o mundo ao redor foi descartado por esta concepção idealizada do romance. Sem a preocupação de apresentar os personagens, descritos nas duas produções anteriores, e impedida de encerrar a trama (visto que os produtores pretendem lançar novas sequências), a diretora Castille Landon se contenta em cozinhar os heróis em banho-maria, orquestrando motivos artificiais para afastá-los e reuni-los, entre pequenas brigas e modestas declarações de amor. Nem os atores parecem acreditar nas dificuldades de seus personagens: Josephine Langford atinge um nível de apatia inexistente nas produções anteriores, como se tivesse entrado de fato no piloto automático. Já Hero Fiennes Tiffin espreme os olhos, contorce a boca e investe na imagem do pobre homem branco, cis e heterossexual, vítima das pressões da sociedade contemporânea.

After: Depois do Desencontro preserva o traço principal da franquia: a imagem envergonhada do sexo. Na tentativa de cruzar a sensualidade (modesta, diga-se de passagem) de Cinquenta Tons de Cinza com o romance de Crepúsculo, os criadores chegaram a esta narrativa onde os jovens amantes finalmente têm relações, contanto que a câmera efetue malabarismos para esconder a nudez e torná-la palatável ao público conservador. O sexo atrai público e vende ingressos, em contrapartida, carrega a aparência de imoralidade, precisando ser contido, rápido e limpinho. Por isso, os apaixonados transam com roupa, em posições convencionais, durante cenas curtas onde a música pop aumenta o volume para cobrir os gemidos e ambos chegam ao orgasmo ao mesmo tempo - mas não se sujam, não transpiram, não bagunçam os cabelos. A diretora oferece planos de detalhe da mão apertando os lençóis, os dedos do pé se contraindo e os lábios mordidos, mas nada além destes indícios padronizados, para que Tessa permaneça uma garota de respeito. Os homens colocam a camisinha, porém nunca a retiram depois. Existe certo asco dos fluidos, do cheiro, da textura, da secreção dos corpos, reflexo de um moralismo risível a ponto de, durante a masturbação ao telefone, proibir Tessa e Hero de dizerem uma única frase provocadora um ao outro. Eles gemem baixinho, e a montagem logo corta para o dia seguinte. O principal legado da saga será o fato de nutrir pelo sexo tanta fascinação quanto medo, numa fetichização do tabu.

Em termos de roteiro, o resultado apresenta conveniências e fragilidades próximas do humor involuntário. A invasão de Richard (Atanas Srebrev) no apartamento levanta algumas interrogações - ele deixa a porta apesar de ter a chave para fechá-la; há um bastão de beisebol apoiado na entrada -, a sequência de Tess no médico é tão apressada que talvez decorra de um erro de montagem (como se a pós-produção não tivesse material suficiente para trabalhar a cena inteira); e as tentativas de humor envolvendo Landon (Chance Perdomo) fracassam. Embora a saga tenha optado por um cineasta diferente em cada filme, a mise en scène é tão asséptica que nenhum criador consegue ultrapassar a cartilha de relações sexuais castas, muitos close-ups, conflitos condicionados aos diálogos e trilha sonora ininterrupta, aproximando o filme de um longo videoclipe para bandas de indie pop. A construção da trama é despersonalizada, desprovida de vigor ou ambições. Ao fim, paira a triste sensação de que ninguém apostava de foto neste trabalho de encomenda, espécie de filme obrigatório para cumprir contratos. O episódio chega aos cinemas pós-pandemia, sofrendo com os números fracos da retomada, mas também com o enfraquecimento no imaginário popular das sagas pseudoeróticas e dos romances teen. Em outras palavras, o projeto tenta surfar numa onda que já passou.

Por fim, o filme pode ser lido enquanto romantização dos relacionamentos abusivos. Boa parte dos magros conflitos envolvendo Hardin e Tessa diz respeito ao ciúme doentio e o medo da traição: ela flerta com o garçom Robert (Carter Jenkins); ele faz ciúme ao conversar com uma amiga, e adiante, a namorada desliga o telefone ao ouvir uma voz feminina ao fundo. O jovem teme que sua amada se encontre com um antigo amor em Seattle, ou que seus familiares façam sexo fora do casamento. Rumo ao clímax, uma mulher adulta é repreendida aos gritos: “Você está transando no balcão da cozinha como uma vagabunda!”. Parte considerável destes romances tórridos se baseia na idealização da masculinidade tóxica, percebida como prova de amor. Os homens de Cinquenta Tons (2015 - 2018), 365 Dias (2020) e Desejo Sombrio (2020) agem de maneira agressiva e controladora, no entanto os roteiros insistem que se trata do comportamento natural para um homem amoroso. Em decorrência deste fator e do moralismo de Hardin, a obra resulta anacrônica e machista, coincidindo o controle do corpo feminino com uma demonstração de afeto. Mesmo a sugestão de que ambos agem desta maneira porque estão apaixonados e excitados se confronta à apatia da direção, das atuações e dos conflitos. O filme sugere uma história tórrida, porém o resultado em tela passa longe desta empolgação.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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