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Sinopse

Sam é uma adolescente inteligente e trabalhadora que leva uma vida feliz com o pai e os dois irmãos no sul da Holanda. Desde que a mãe morreu, ela se sente responsável pela família. Uma dia, é atingida por um caminhão e morre. No futuro, a jovem encontra sua mãe esperando por ela e descobre que existe um caminho de volta à vida.

Crítica

O projeto demora algum tempo até revelar sua propensão ao realismo fantástico. Julgando pelo início, com sua montagem veloz, trilha sonora ininterrupta e explicação apressada sobre a protagonista (uma garota tímida, muito próxima da mãe, até que esta sofre um acidente e morre), podemos supor que Afterlife seguirá o caminho de tantas comédias dramáticas adolescentes baseadas em tragédias e doenças. Em outras palavras, encontramo-nos em pleno confronto da adolescência com a morte, nos moldes explorados por A Culpa É das Estrelas (2014), A Cinco Passos de Você (2019), Se Eu Ficar (2014), Tudo e Todas as Coisas (2017), Sol da Meia-Noite (2018) e afins. O único diferencial seria o fato de se tratar de uma produção holandesa, um pouco mais progressista que seus semelhantes por abordar a homossexualidade e o racismo sem julgamentos morais.

No entanto, a pressa do diretor William Bosch se justifica pela extensa jornada na qual pretende mergulhar a sua protagonista em cerca de 90 minutos. O roteiro constitui uma atração à parte, viajando por dezenas de caminhos bastante reconhecíveis (o reencontro com a mãe morta, a possibilidade de conhecer o além e voltar a vida, as memórias apagadas, a tentativa de reescrever o passado, a reencarnação como bebê ciente da vida prévia), porém raramente combinados numa mesma história. Embora o texto tenha sido escrito apenas por Bosch, ele se assemelha aos casos em que diversos roteiristas se unem para montar uma história com subtramas e caminhos em excesso. Existem anjos, coadjuvantes místicos, remédios para depressão, uma obsessão incontrolável por escadas e tantos outros elementos que se ressentem da falta de um bom produtor para podar a megalomania.

Em meio ao turbilhão narrativo se encontra Sam (Sanaa Giwa), personagem um tanto opaca. A profunda timidez parece indicar alguma característica particular que o filme não tem interesse em investigar. O desapego em relação à mãe morta e o processo de autonomia pós-luto também acontecem numa velocidade espantosa, sem que Afterlife se dedique a compreender os sentimentos da garota. Sam é submersa pelas reviravoltas de roteiro, tornando-se uma figura inconsistente, um corpo em deslocamento que se contenta em fazer o que os outros lhe sugerem – ela volta à vida quando lhe pedem, vai passear quando lhe ordenam, chega na escola quando lhe solicitam. Um problema grave deste projeto consiste em ignorar que a viagem pelo espaço-tempo deveria servir como metáfora para a psicologia da personagem, ao invés de se tornar uma atração por si só.

Por volta de dois terços da trama, Sam é praticamente esquecida enquanto o roteiro se dedica aos conflitos da mãe dela, Vera (Romanda Vrede) e da amiga Joke (Ria Eimers). Confirma-se então que a história não é contada pelo ponto de vista da garota, e sim por um olhar externo, onisciente, que pretende estar ao mesmo tempo entre os adultos e os jovens, na Terra e no céu. O retorno de Sam à vida, que deveria produzir uma alteração significativa na narrativa, não produz qualquer efeito notável, primeiro por não dedicar tempo suficiente à gradação, e segundo por contar com uma atriz de expressões um tanto indiferentes, movida por poucos desejos. Para uma trama recheada de nascimentos e mortes, suicídios e reencarnações, Afterlife se revela plácido, talvez pela obrigação autoimposta de Bosch de oferecer um fell good movie, divertido, inspirador, e repleto de música de aventura a cada dois minutos.

Se os personagens ficam perdidos, a estética os acompanha. O cineasta nunca sabe ao certo se mantém uma estética naturalista para retratar o céu e os anjos, ou se embarca numa fantasia colorida, de regras próprias. O resultado é uma indefinição que prejudica ambas as vertentes: o trem que carrega Sam para o além, ou as portas que precisa atravessar para decidir o seu destino, não chamam atenção nem pela relação com as portas e trens reais, nem por qualquer senso de invenção imagética. Eles revelam, de fato, as limitações orçamentárias da direção de arte e do setor de efeitos visuais. Ainda mais questionável é a fotografia, muito contrastada e escura, numa escolha frágil sobretudo ao retratar atrizes de peles negras, que ficam mergulhadas na escuridão dos cômodos quando suas expressões pareciam fundamentais.

Assim, Afterlife se perde na saturação de vontades e referências. As escolhas de vida e morte relacionadas a Sam necessitariam de um mínimo de contemplação, dúvida e tensão, algo que o diretor e o montador evitam a qualquer custo. Ao invés de propor ao espectador para se identificar com a garota e torcer por ela – ou temer as consequências de seus atos -, ele a transforma numa espécie de Alice jogada num país de maravilhas pré-fabricadas pela insistência da música, da natureza paradisíaca, de autodescoberta. Este é um universo de belezas fáceis e ensinamentos mais fáceis ainda (é preciso aceitar a vida, a morte, e aproveitar ao máximo o tempo disponível na Terra). A sombria psique de uma garota em luto simplesmente não encontra espaço para se desenvolver na viagem proposta por Bosch.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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