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Sinopse

Gata doméstica, Marnie aceita um improvável emprego de agente secreta. Sua missão é capturar uma notória gangue. Para isso, ela vai se juntar a um grupo de animais em fuga.

Crítica

Curiosamente, essa animação alemã enfrentou um conflito de identidade de gênero no seu lançamento no Brasil. Isso porque o original Marnies Welt ganhou lançamento internacionalmente como Marnie’s World (O Mundo de Marnie, em tradução direta), mas também recebeu o título de Spy Cat (Gato Espião) em alguns mercados. Ao chegar no Brasil, optou-se por uma adaptação do segundo nome, e chegou-se, então, ao Agente 00-Gato (uma piada com o mítico 007). Só que, percebe-se, esse batismo foi dado sem que alguém tenha sequer assistido ao filme, pois a personagem principal é ninguém menos do que uma gatinha de estimação das mais mimadas, com direito a quarto todo cor-de-rosa, seus próprios bonequinhos de pelúcia e comidinhas de bandeja. Foi somente num segundo momento que foi decidido alterar para Agente 00-Gata, que é como o conhecemos agora. Essa desatenção é sinal do descaso que produções similares costumam receber por aqui quando não oriundas dos produtores mais tradicionais, como os Estúdios Disney e outros grandes de Hollywood. Uma pena, ainda mais quando levado em conta que essa gatinha merecia maior consideração.

Escrito e dirigido por Christoph e Wolfgang Lauenstein (mesma dupla de irmãos por trás de Amigos Alienígenas, 2018), Agente 00-Gata trabalha com um arquétipo bastante explorado em produções do gênero: o verdadeiro valor daqueles que menos suspeitamos. No exemplo aqui (literalmente) desenhado, essa máxima vale tanto para um lado, quanto para o outro. Ainda que não faça esforço nenhum para disfarçar, o vilão em questão se apresenta primeiro como um bom e inocente parente distante que surge para uma visita de repouso, enquanto que os heróis serão figuras igualmente inesperadas: além da gata protagonista, há ainda um cachorro medroso e mal-humorado, um galo zen cansado das suas obrigações habituais e um burro que finge ser uma zebra para poder trabalhar no circo e encontrar a fama que tanto almeja. Mal sabe ele que esse reconhecimento popular lhe chegará sob outras formas.

Na pequena cidade onde habitam, uma onda de crimes começa a chamar atenção das autoridades. Sem quebrar janelas ou arrombar portas, objetos de valor começam a desaparecer das residências, principalmente nas mais afastadas, localizadas na zona rural. O que ninguém se dá conta é que há algo em comum em todos os roubos: são levadas pinturas expostas nas salas e quartos, todas assinadas pelo mesmo artista. Marnie, que leva uma vida bastante confortável junto com sua dona – que a trata por ‘filhinha’ – é viciada em docinhos e em programas policiais de televisão. Não precisa ser nenhum gênio, portanto, para imaginar o quanto ela irá se interessar pelos casos. Porém, quando o irmão da sua ‘mãezinha’ aparece de uma hora para outra para se recuperar de um acidente que o deixou numa cadeira de rodas, a bichinha será a única a perceber que há algo de estranho na visita.

Se fosse apenas um embate de “Davi versus Golias”, Agente 00-Gata talvez recaísse em uma vala comum da qual não conseguiria emergir com maiores habilidades. No entanto, é curioso ir acompanhando como os diretores vão desmontando esses possíveis caminhos. Isso porque Marnie será a primeira (bom, talvez a segunda, depois da irmã do bandido) a cair na lábia do larápio. Despachada como uma encomenda incômoda, ela acaba perdida no meio do campo, longe de tudo e todos que conhece. É quando começará a rever seus conceitos, alterando certezas e construindo novas relações. Ao lado dos amigos que vai fazendo pelo caminho, não apenas terá que garantir a segurança daquela que sempre esteve ao seu lado, como também salvar a vila da ameaça que agora está entre eles.

Há figuras carismáticas em cena – o núcleo das galinhas, com as penosas em busca de um novo líder e o galinheiro que se afeiçoa por elas e lhes dá a chance de escolher qual delas irá virar sopa talvez seja o mais interessante – mas a pressa em se ocupar dos eventos que fazem com que a trama avance acaba prejudicando um melhor desenvolvimento das personalidades de cada um dos envolvidos. Se o próprio traço da animação fosse melhor trabalhado e algumas reações não fossem tão óbvias – como o cachorro que rosna apenas por medo de ficar sozinho – talvez o resultado final fosse ainda mais atraente. No entanto, tal como se apresenta, Agente 00-Gata se confirma como uma opção não apenas eficiente enquanto entretenimento, mas também movimentada o bastante para justificar as atenções despertadas entre os espectadores infantis.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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