Crítica
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Sinopse
Crítica
Não é preciso ir longe para compreender o interesse do cineasta Adrian Lyne por esse roteiro baseado no livro Em Águas Profundas, de Patricia Highsmith. Isso porque o material é bem semelhante ao de seus filmes de maior sucesso, sobretudo os suspenses eróticos. Os protagonistas dessa vez são Vic (Ben Affleck) e Melinda (Ana de Armas), casal de ricaços que preenchem seus dias entre a criação da filha e os encontros nas mansões dos amigos milionários. Ele é apresentado como um homem de comportamento frio e semblante cinzento, capaz de manter o autocontrole mesmo diante dos escancarados casos extraconjugais da esposa. Ela é uma presença solar, inquieta, um corpo em constante agitação. Desde o princípio, Lyne enfatiza as suas reconhecíveis marcas registradas, como a atenção ao fator erótico das relações. A câmera entra numa espécie de intimidade especial com Ana de Armas, daí resultando uma cumplicidade sedutora entre atriz e dispositivo. A personalidade feminina é encarada como força ambígua que excita e ameaça. Enquanto Melinda esfrega na cara do marido os homens com quem transa para afastar o tédio, Vic se resigna ao sofrimento. Os dois intérpretes estão bem encaixados nesses personagens que se repelem e se aproximam de modo equivalente.
Há uma atmosfera quase soft-core porn em Águas Profundas, a julgar, principalmente, pela maneira como Adrian Lyne utiliza o sexo. A decupagem – divisão da cena em planos – acentua curvas, detalhes lascivos, olhares sugestivos e a parcialidade de uma nudez provocadora. Não deixa de ser um bálsamo dentro da linha de produção (a hollywoodiana) que ultimamente quase aboliu o sexo das narrativas. Aqui, Lyne retorna à perspectiva que o consagrou em filmes como Atração Fatal (1987), Proposta Indecente (1993) e Infidelidade (2002). Outro prisma característico desse realizador norte-americano (considerado brega por alguns e talentoso por outros) é o acento dos efeitos destrutivos do adultério. Ainda que o conhecimento de Vic quanto às escapulidas de Melinda crie uma dinâmica singular, as tensões entre amor e ciúme, possessividade e agressividade, paixão e obsessão são similares nas produções citadas. Aliás, outro traço retomado é a existência do amante como figura que mantém o relacionamento tradicional em movimento – sempre beirando a tragédia, mas em permanente movimento. Por fim, a morte do terceiro elemento que ensaia devolver a estabilidade ao vínculo ameaçado. Aqui há vários “terceiros elementos”, num modus operandi dela que se aproxima da compulsão (provocar incessantemente o cônjuge com outras presenças masculinas). Espaço para as participações especiais dos galãs Finn Wittrock e Jacob Elordi.
Portanto, dá para dizer tranquilamente que Águas Profundas é um filme autoral, no sentido de apresentar claramente as marcas do seu autor, tanto as de estilo quanto às relativas aos temas recorrentes. Há dois efeitos nisso: o primeiro é a filiação direta às demais produções dessa linhagem; o segundo, menos positivo, é a previsibilidade dos desenvolvimentos e desdobramentos. Trocando em miúdos: por um lado, é interessante observar essa nova contribuição ao conjunto de filmes que Adrian Lyne vestiu com a roupagem do suspense erótico; por outro lado, como ele é um cineasta apegado excessivamente às fórmulas que o tornaram famoso, basicamente acabamos tendo uma variação dos assuntos e gestos antes vistos. Porém, em que pese essa previsibilidade, a trama é carregada de uma boa gama de emoções e possibilidades, em suficiente número para manter o interesse. Lyne é habilidoso ao trabalhar a dúvida que paira em torno de Vic. Será que ele matou um dos amantes de Melinda ou tudo não passa de uma estratégia para amedrontar o amante da vez? Pena que o cineasta não tenha por hábito mergulhar nas profundezas dos personagens, se contentando com o raso e superficial num jogo em que o amor assume traços negativos quando contaminado por certos componentes obscuros. A investigação humana cede espaço para um entendimento mais plano sobre aquele panorama.
Dentro dessa perspectiva que Adrian Lyne tem do suspense de cunho erótico, infelizmente não cabe uma reflexão das ações e reações a partir de coisas como, por exemplo, estatuto social ou estrutura patriarcal. Por isso não há qualquer esforço para investigar as atitudes de Vic tendo como ponto de partida o fato de ele ser um homem milionário, privilegiado e que, a despeito da aparente resiliência, age violentamente para proteger o seu conceito de família tradicional. Águas Profundas também não pondera sobre as fontes primárias da perversidade de Vic (sublinhada pela agressividade liberada em instantes-chave) ou da simultânea histeria de Melinda (a julgar pelos aspectos do jogo psicológico imposto ao marido passivo). Em certa medida, o filme pode ser considerado conservador, pois trata de perturbações na ordem de uma família tradicional e das consequências de desejar, amar e consentir longe das convenções. Tanto que, na companhia dos amigos e amigas, Vic sempre é colocado na delicada posição do traído sofredor, daquele que merece a piedade dos demais por conta do comportamento incomum da esposa. Lyne nem sequer vira as suas lentes contestatórias a esse entorno que demonstra desconforto frente a um casamento que parece pouco ortodoxo. Logo, deixa passar oportunidades valiosas para enfatizar o que está nas entrelinhas do discurso solidário dos amigos. Mas, realmente uma pena é a última quarta parte do filme, uma sucessão de absurdos e dinâmicas apressadas (tipo a perseguição na floresta) que não acrescenta muito e quase compromete a atmosfera ainda interessante.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Francisco Carbone | 4 |
Bruno Carmelo | 4 |
Ticiano Osorio | 4 |
MÉDIA | 4.5 |
Tem a questão de um alimentar o comportamento do outro. É uma simbiose meio funesta nesse caso. no final, parece que volta "à estaca zero". E o ciclo se retro alimenta de fato. Nada mais que o ser humano e sua Sombra.🤔