Crítica
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Sinopse
Ainda Somos os Mesmos, filme de Paulo Nascimento, se passa no Chile, que se tornou um dos lugares mais perigosos do mundo após o golpe militar de 1973 liderado por Augusto Pinochet. Aparentemente, os únicos lugares relativamente seguros eram as embaixadas.
Crítica
Tentando expressar uma ideia, às vezes a crítica recorre a determinados termos e conceitos que podem ficar relativamente vagos se não forem bem colocados. Um deles é dizer que um cineasta tem a “mão pesada”. Ainda Somos os Mesmos, de Paulo Nascimento, é um desses filmes em que essa “mão pesada” aparece desde o primeiro momento, especialmente porque a direção parece sempre disposta a dobrar a aposta na dramaticidade, na tensão, no sofrimento, enfim, inserindo elementos para forçosamente se chegar de modo rápido a certo resultado emocional. Portanto, a tal “mão pesada” se materializa no modo como Paulo constrói as cenas, especialmente aquelas em que alguém está passando por um momento particularmente difícil. Se um pai discute com o filho a respeito do instante histórico delicado do país, surge uma música solene que chantageia o espectador a mergulhar na atmosfera tensa da qual as interpretações e a mise en scène não dão conta. Aliás, a trama começa exatamente num embate geracional entre o idealista Gabriel (Lucas Zaffari) e seu pai, o empresário influente Fernando (Edson Celulari). O primeiro é um revoltado com o Brasil dos anos 1960/1970 mergulhado do desgoverno dos militares. O segundo é um capitalista nato com influência nos altos escalões por ter poderio econômico e conexões.
Ainda Somos os Mesmos, então, ensaia ser essencialmente sobre essa diferença geracional que afasta pais e filhos – inclusive tendo em vista o título tirado de “Como Nossos Pais”, uma das canções mais emblemáticas de Belchior. Mas não é bem isso o que acontece. Depois de deixar evidente o abismo que separa Gabriel e Fernando, numa sequência em que cada palavra ríspida é sublinhada desnecessariamente por um acorde pesado da trilha, o pai mexe seus pauzinhos e envia o garoto para o Chile, nação que no começo dos anos 1970 se permitia sonhar com um mundo mais justo a partir da eleição do progressista Salvador Allende. Paulo Nascimento passa longe da naturalidade, ora por clara opção estética, ora por não conseguir fazer as interações humanas parecem críveis (ou consistentemente simbólicas para representar algo genuíno em tom elevado). Os diálogos são duros, as palavras saem empostadas demais e até mesmos as marcações de cena ficam visíveis – com um pouco de atenção dá para perceber que um ator espera mecanicamente o outro dar a deixa para reagir. Voltando à trama, depois de uma elipse, ela passa a acompanhar Gabriel sitiado na embaixada da Argentina no Chile, país então vítima de um golpe de Estado executado com a ajuda dos Estados Unidos, enquanto seu pai faz valer a influência de homem de negócios para manipular milicos e quem for para resgatar o seu garoto.
E a tal “mão pesada” fica mais evidente quando a trama é deslocada ao interior da embaixada argentina. Gabriel chega num lugar que poderia ser construído como uma panela de pressão em que centenas de pessoas encurraladas por militares sádicos ameaçam romper os tratados internacionais. Porém, Paulo Nascimento não alcança esse status desesperador em virtude de múltiplos fatores, a começar pela ambientação artificial e pouco expressiva desse interior apinhado de gente. A fotografia assinada por Renato Falcão é escura de modo acentuado, o que evidentemente se trata de uma tentativa de expressar visualmente aquele calvário em sítio. No entanto, o resultado é uma sucessão de cenas mal iluminadas, com pessoas mergulhadas no breu quase completo sem que com isso se atinja o resultado pretendido. Esse jogo de claro e escuro proposto pela fotografia é ineficiente para desenhar os embates emocionais e psicológicos aos quais se propõe. As dificuldades dos personagens dentro do lugar cercado de inimigos possuem camadas de reiteração. Alguém começa a gritar de desespero, a música intrusiva aparece para tentar alavancar a atmosfera de tensão (que não é conseguida por outros meios), a penumbra é sublinhada como componente visual da angústia nunca alcançada genuinamente pelo filme. O som e as imagens estão sempre falando da mesma coisa, não agindo de maneira complementar. Isso acontece porque nem um desses elementos tem força suficiente.
Paulo Nascimento navega entre o drama político/histórico e o melodrama, naufragando ao tentar passar a sua embarcação por esse estreito tão revoltoso. Do ponto de vista do drama político/histórico, a reconstrução de época é pobre e não contribui para termos uma experiência verdadeiramente potente, até porque o discurso é engessado e coalhado de informações dispersas. Por exemplo, há um momento em que o diretor tenta abordar o poder paralelo dentro da embaixada, as consequências mentais do golpe na mulher brilhante, a liderança de Gabriel, a perversidade dos milicos, entre outras coisas, para isso atropelando personagens e tratando os assuntos como se fosse suficiente os acumular sem observar as nuances dramáticas. Há informações e recortes demais para tempo de projeção de menos. Como melodrama, as tintas são precárias numa história em que os personagens de Lucas Zaffari e Edson Celulari são transformados paulatinamente em heróis: um atingindo uma proeminência desproporcional e o outro gradativamente mostrando que mesmo um capitalista pragmático tem princípios humanos inabaláveis. Aliás, as interações de Fernando com os militares são mal encenadas ao ponto de não se sentir qualquer animosidade ou mesmo uma disputa de poderes paralelos. Assim, Paulo Nascimento “pesa a mão” tentando compensar as fragilidades da encenação com a trilha pesarosa que tipifica as cenas, apostando alto em diálogos truncados e na reiteração narrativa.
Filme visto no 2º Bonito CineSur em julho de 2024.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Robledo Milani | 4 |
Miguel Barbieri | 3 |
Francisco Carbone | 1 |
Alysson Oliveira | 2 |
Celso Sabadin | 6 |
MÉDIA | 2.7 |
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