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Crítica


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Sinopse

Leo e sua irmã, Tristan, trabalham em uma pequena fábrica de conservas de peixe. Eles possuem grandes sonhos de abandonar os peixes, tornarem-se estrelas e encontrar sua mãe.

Crítica

A metáfora pode até ser óbvia, mas Leo (Martin L. Washington Jr.), aspirante a drag queen, aprende a lutar boxe quase como em decorrência natural da faculdade de ser um batalhador. Seu cotidiano no inóspito Alasca é um constante transpor barreiras. Com bom humor, ele encara o fardo de acompanhar a irmã gêmea, Tristen (Maya Washington), em pleno tratamento contra um câncer agressivo. Na fábrica de peixes em que labuta diariamente, precisa conviver com a hostilidade do outrora amigo, Kyle (Christopher O'Shea), que frequentemente arma emboscadas para espanca-lo em grupo. Todavia, o jovem negro e homossexual não é encarado pela diretora Shaz Bennett como protagonista de um drama carregado de tintas saturadas e/ou lúgubres. Aliás, mesmo que os infortúnios sejam tratados devidamente como tais, o tom é predominantemente esperançoso, por vezes ingênuo, mas ainda assim calcado na personalidade dos que resistem a um mundo preconceituoso, cheio de gente com problemas para resolver. Alaska is a Drag é celebração.

A chegada de Declan (Matt Dallas), novo morador das redondezas e funcionário recente da empresa de peixes em que boa parte dos personagens trabalha, chacoalha as coisas. Leo se aproxima cada vez mais desse sujeito  magnetizado pelo carisma do amigo de pouco. Alaska is a Drag mostra o transcorrer desse envolvimento sem muitas surpresas, com o novato defendendo Leo dos abusos de Kyle, se achegando gradativamente na sua intimidade, no que se pode notar um interesse afetivo. A rotina de treinos de boxe, intercalada com os preparativos de um concurso de drag queen, permite ao longa-metragem abordar mais diretamente o contato físico entre os homens. Aliás, a luta é utilizada outras vezes nesse sentido, como quando o dono de um bar diz que conheceu o namorado enquanto ambos praticavam uma arte marcial. Essa relação entre os confrontos e o amor também é percebida no modo como o agressor descarrega a sua frustração em quem ama secretamente.

Porém, o mais bonito e consistente em Alaska is a Drag é a interação dos gêmeos, uma parceria além da simples ligação sanguínea. A realizadora constrói um background familiar sólido, partindo da fissura que separou os filhos da mãe. Supostamente cabeleireira das estrelas em Los Angeles, a matriarca se torna uma referência simbólica ao menino sonhando em alcançar o firmamento e à menina lutando bravamente para sobreviver. Embora incorra em certas facilidades, especialmente no que tange à forma como Declan lida com os próprios e conflitantes sentimentos, o filme conserva doçura, bem como positividade. O espaço frio e cinzento do Alasca ocasionalmente é modificado pelas cores da aurora boreal, utilizadas para denotar, exatamente, o surgimento de circunstâncias a fim de quebrar determinados ciclos e cenários. Muita coisa se resolve forçosamente, culpa da fragilidade do roteiro. Todavia, não é algo suficiente para desvirtuar o andamento solar e bastante assertivo.

Alaska is a Drag possui, ainda, uma bela fotografia. O aspecto visual é enriquecido pelas intrusões causais de elementos poéticos, como o revoar dos dentes-de-leão quando Leo e Tristen passam pelo terreno baldio. A simples existência deles altera o entorno, promovendo espasmos de beleza em meio à feiura de uma terra que insiste em ressaltar os tons sombrios. Mesmo carente de densidade em alguns momentos, vide a frouxa ligação com o pai que se considera um mensageiro da palavra de Jesus, o longa demonstra a importância dos gêmeos àquela cercania em que a bebida alcoólica parece ser a única companheira de um dia a dia enfadonho, marcado pela repetição, sem variações, de uma lógica laboral. Não à toa, Shaz Bennett ecoa a observação dos procedimentos na esteira dos peixes, justamente para que tenhamos a dimensão do quão importante é apresentar matizes diversos àquele círculo vicioso de gente propensa à melancolia.  Um raio de sol é sempre bem-vindo na dura realidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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