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Crítica


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Sinopse

Os irmãos Ernesto, Lilián e Silvana passam a disputar a propriedade da antiga casa de praia quando o pai deles morre. Entre a contenda e a o luto, eles colocam as lembranças da infância e a união da família à prova.

Crítica

“Todas as famílias felizes se parecem. As infelizes são infelizes à sua maneira”. As primeiras sentenças do livro Anna Karenina, de Liev Tolstói, poderiam ser tranquilamente relativizadas por Alelí, esta comédia dramática que se fundamenta na universalidade tanto dos júbilos quanto das tristezas familiares. Um clã é abalado pela morte do patriarca. A primeira providência dos filhos é desfazer-se da casa de praia e tentar organizar o futuro da mãe, Alba (Cristina Morán), daquelas genitoras sempre com uma sacada mordaz na ponta da língua para pontuar turbulências e mediar as relações de seus rebentos. Ernesto (Néstor Guzzini), o irmão do meio, parece ser mais afetado por esse movimento, quiçá pela dificuldade imediata de se ver como referência masculina. Não à toa ele é o único que tem “visões” do morto, como se uma projeção fantasmática atravessasse a sua reconexão com a edificação em que passou parte da infância. O filme é leve, recheado de observações facilmente identificáveis, especialmente porque elas lidam com questões praticamente comuns.

Alelí se detém em Ernesto, Lilián (Mirella Pascual) e Silvana (Romina Peluffo). A primogênita tem seus problemas domésticos, de certa maneira mimetizando a trajetória da mãe, assim como há um espelhamento do pai em Ernesto. Nesse itinerário de reproduções de padrões, algo sinalizado constantemente pela cineasta Leticia Jorge, a caçula se destaca por sua solteirice não menos conturbada do que a vida matrimonial dos consanguíneos. Quando todos estão juntos, as tensões vêm à tona, mas não de um jeito inconciliável, pois são desenhadas como intermitências naturais entre irmãos. As brigas, no mais das vezes, são motivadas por coisas banais, como uma cumbuca apropriada sem a aquiescência dos demais ou mesmo a batida de automóvel da mãe impaciente quanto a indefinição para um programa corriqueiro. Não são, assim, tão distintas das disputas da geração seguinte pelo tempo de utilização do tablete ou a queda de braço por atenção dos mais jovens.

Leticia Jorge trabalha as repetições para mostrar que as circunstâncias, sobretudo com relação ao passível de criar tretas entre irmãos, são tão naturais quanto cíclicos. De determinado ponto da trama em diante, mais especificamente assim que Ernesto decide afogar suas mágoas em contato com as paredes que emolduraram seu crescimento, ele se torna a figura de maior destaque. Alelí, então, passa a ser um filme bem mais dele, inclusive pela maneira como apoia Silvana, que está em meio a uma crise em seu namoro. Não adentrando nos meandros dramáticos sem deixar um pé na comédia de costumes, a realizadora constrói uma narrativa obviamente inclinada aos finais conciliadores, sem a proposição de uma tomada definitiva de decisões ou de um acerto de contas encarregado de modificar os panoramas. Provavelmente essa família, como qualquer outra, seguirá entre admirações nem sempre manifestadas e dificuldades bem mais verbalizadas abertamente.

O desempenho uniforme do elenco (afiado) pode ser atribuído, grande parte, ao esforço de Letícia para que todos consigam demonstrar a intimidade que naturaliza a convivência e deixa orgânica até as tensões. Néstor Guzzini sobressai ao criar um personagem claramente fragilizado pelo passamento recente do pai. Ao que tudo indica, o patriarca funcionava como um esteio para a prole. Ernesto possui condutas bastante distintas com as irmãs. Com Silvana, assume um tom paternal, às vezes censório, repreendendo suas condutas e tentando guia-la pelos caminhos tortuosos da vida adulta. Com Lilián, se comporta de forma mais reativa, talvez por ter contestada essa autoridade de homem restante, mas também por força da rivalidade que data da meninice. O delicioso encerramento aponta à máxima “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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